sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Sobre pés e corações

Meus pés ficaram muito rachados esses tempos, chegando em um estágio de quase sangrar... Após uma de minhas reclamações, Ceci me disse: "mamãe acho que seus pés estão partidos por que o seu coração está partido." É esse texto.

na poeira espessa do tempo

Meus ossos não conseguem mais se ajeitar confortavelmente em meu corpo.

Tudo dói,  tudo inflama. Duzentos e poucos pedaços de estrutura biológica completamente desajeitados, fora do lugar.

Olhei aleatoriamente pro céu essa semana e peguei sem querer alguns finais de tarde  ou melhor, eles me pegaram. Nuvens amareladas. Azul quente. O rósea pairando translúcido no ar. Poente. Como poente sou eu.

O tempo se esfarela em poeiras espessas e páginas amareladas, com suas manchas de vida.

Me incomoda muito como a sujeira dos anos se impregna na pele das mãos. Nem uma escovinha de limpeza tira a adesão do pó aos sulcos e vincos de nossa derme (e alma) depois de algumas horas de contato com os velhos objetos (e memórias) guardados.


sábado, 15 de agosto de 2020

limo



Estava no quintal agora a pouco, lembrei do que pensei/senti lá que me impulsionou a escrever aqui. Pensei no quanto gosto do limo. Da sua existência escura e úmida. Rasteira e devagar. Viva e de natureza macia. Pensei também no quanto gosto de restos envelhecidos de construção de cimento. Olhei ao redor, vi às pilastras de concreto encostadas no muro, com suas estruturas de vergalhão de ferro à mostra. O ser humano gosta muito de construir. Constrói indiscriminadamente, sem pensar em nada, constrói de olhos fechados e com muito afinco, aquilo que mais à frente acaba sempre por abandonar. A gente constrói na mesma medida em que abandona. Talvez seja tudo uma pretensão demasiada isso de buscar materiais duradouros, de querer permanecer, de buscar se perpetuar por meio das coisas. Tudo está indo e nossos muros e pilastras seguirão sendo abraçados suavemente pelo musgo. Por que para cada ruína há um cobertor de vida mole e verde, escuro e pegajoso à espreita, à espera, à disposição para nos falar sobre coisas que surgem da nossa impermanência... Ingênuos, temos pena dos insetos que vivem apenas um dia sem saber que a mesma pena têm de nós o mundo e as coisas que nós mesmos criamos.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

cisco


Tenho olhos demais, tudo me é cisco.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Terça de carnaval•°

Acordada desde as sete. No fundo da rede, no escuro do quarto, pensando, sentindo e enxergando coisas demais, como de praxe.
Tentei ir sozinha ao cinema ontem, não deu tempo.
Tentei ver Nostalghia, meu computador travou.
Tentei ver A chegada, dormi.
Não fui, não lembrei, não cheguei... Era tarde...
Acordei cedo e me perdi no emaranhado de músicas tristes com vozes sussurradas e suas capas de álbuns com  imagens desbotadas de pessoas com cabelos desgrenhados e olhos vagos/espantados. Em meio às músicas, expectativas completamente infundadas e sonhos de um futuro que não vem, provavelmente. Dentro, alguma coisa bonita e triste jorra - incessante

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Esvair-se

Nasci com problema de apreciar sobrevoos de corujas...

~~ Eu não tô conseguindo ~~

Sinto que vou passar por essa vida completamente invisível ( a que? a quem? Não sei).
Não entendo o que as pessoas fazem de diferente pra que lhes aconteça um batizado, um casamento ou um picnic dominical / matinal.
Meus problemas de tão infinitezimais diante dos problemas do mundo, hão de me causar um big bang ou pelo menos o nascimento de uma estrela anã ou um buraco negro.
Tenho chorado, não tanto por fora, mas tanto por dentro, que nem sei.
Esvair-se.
Vai
Ir
Se.
O amor comeu meu nome sim e minha identidade também. O amor passou do meu lado, comeu a si mesmo, e do avesso de si, desdenhou minha existência. Se comeu a mim foi por indiferença.

Juventude não há
Amor não há
Eu não hei de estar, em nenhum lugar
<<<Daqui a alguns anos esses aplicativos não vão mais existir>>>
Onde vamos ?
Poeira
Nas nuvens
Poeira
Na terra
Derreter
Esvair
Na espera vaga
Por alguma gota de um nada
Absoluto
Um não existir

domingo, 15 de dezembro de 2019

dezembro

É dezembro
O Brasil escorre ensanguentado por algum ralo do universo
Chove nesse instante acima da Linha do Equador
Entro no uber, com fones nos ouvidos
Estico o rosto para o lado e projeto o olhar através do vidro
Imagino alguém acarinhando meu pescoço docemente
Sigo vendo a decadência passar em câmera lenta e preto e branco por mim
Já é quase noite nessa chuva de dezembro
A escuridão ainda não se fez total
"Preciso parar na padaria antes"
Parei...
Não tinha mais o doce que eu queria. 

domingo, 13 de outubro de 2019

dança solita






Me prostro debruçada num muro que dá para o nada. Me debato por defender o direito à poesia…
O que em minha matéria faz com que me afete tanto pelas pessoas que passam por mim?
Que tipo de conexões são essas que crio?

Eu não sei passar e nem deixar que passem. Parece que é de ficar que sou feita. E de ficar por aí, por onde será que tenho andado? Por que há tempos já nem me vejo e nem me acho.

Dessa vez estive diante da solidão e me vi muito mais distante de mim do que sequer pude imaginar até aqui.

De solidão nunca soube verdadeiramente…. Até que ela, triste, pesada e nua, amanheceu na beira da cama, travestida de saudade: Me encarou fixamente e eu morri. Morri por enxergá-la, de verdade, pela primeira vez na vida.

Como é densa, como pesa…. E como dói…. De nada disso sabia eu!
Talvez só seja solidão de fato, quando até mesmo a pessoa se vai de si.
Os tambores de Mateus Aleluia e a fé de Luedji Luna têm me soprado desejos de vida no decorrer dos dias.
Os cenários vão caindo e a realidade por trás é misteriosamente cruel e desconhecida.
Agora entendo o por quê de toda essa correria... 

Dedos gelados tocando o meio da costa do universo deitado na cama. Suspiros de futuro... Arrepio doce... Dedos gelados tocando o meio da testa do universo em expansão. Suspiros de(s)ilusão. Olhando compenetradamente para um autômato delicado que fiz, penso, repentinamente, como quem desperta de profundo torpor, que é preciso deixar o futuro pra lá.

Já me despi de algumas coisas antes muito sólidas, como a ideia de amor, a ideia de maternidade, a ideia de relação, a ideia de felicidade... Nesse setembro de dois mil e dezenove, me despedi da ideia de futuro!

Futuro não há! O futuro não é! Como pude passar tanto tempo apoiada nessa não coisa?

Não entendo como a gente se preenche de tanta coisa que não existe... Que difícil "dar o prazer dessa contradança" quando não parece tocar música alguma, quando o par é ninguém e quando chão não há.

Mas é solitária, é solitária sim essa dança. A dança é solitária, mas por quê, então, tantos pares ao redor a bailar? O que ouvem? Será que cantam, baixinho, um para o outro? Será que fingem, ambos, ouvir alguma coisa, quando não ouvem mais do que os sons de seus sistemas nervoso e vascular trabalhando e talvez o barulho de suas próprias almas? Como de praxe, não sei.

Não ouço nada no momento e é bem escuro ao redor. Me mantenho aqui, quase parada por dentro e por fora, flutuando, com movimentos lerdos e olhar vago, entre idiomas e seres que não existem. Nas dobras do blusão, escondo, não um beijo, mas as coordenadas de uma coreografia secreta (até para mim mesma), descompassada, pensa, que espero que me sirva de algo, um dia.






quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Aos poucos








<<Silêncio >>








Aquele silêncio que só os lugares desertos sabem fazer.
~Música de vento~
Por toda a rua apenas o movimento das folhas das árvores e, ao longe, o dos carros e pessoas nas duas ruas entre as quais a minha está.


<<Ninguém>>


Como um esparadrapo que se tira lentamente e arranca pelo por pelo de um braço cabeludo,

Dói mais quando se vai assim...

                  Ao
                         s
                                   po
                                          u
                                                          co
     
                                                                         s..




                 


sábado, 20 de julho de 2019

na linha que cortou ao meio aquele ano

Luz avermelhada.
Silêncio.
Sentei na cadeira de balanço embalei em meus braços o resto da minha vida.
Senti em minhas costas o macio conforto de um abismo -  vida, morte, beleza e horror em profundidades e lonjuras até então desconhecidas.
Minha carne...Tão viva carne, viva. Crua.
Cria.
Viscera-l crisálida, pálida, sem-sangue/suga o peito, o leite. Via láctea.
Vi, nos olhos todos espalhados em ti, a mim, ao universo e a história de todos os tempos.







quinta-feira, 6 de junho de 2019

q ue ria

                           que-ria....
Comer
Uma coisa gostosa
Ouvir
Músicas legais
                      com
pessoas legais que não existem

Desenhar
com linhas bem finas
                -Os sentimentos todos que me angustiam
Beijar
em chamas, quem ardendo me chamar
Queria morrer. Nascer...
Dançar...
No escuro,
no silêncio,
Cantar

Q ue ria
Escrever
des
   con fi
gurada
mente] de forma bem
mediocre e estranha

ler
mentes
e mentiras

Decodificar entranhas

Queria querer,
mas acreditanto,
ao menos fantasiosa mente
]  que teria o que quero
  bem aqui
e bem
agora.  Tudo isso,
em mim

tão forte quanto perto

me ofegando a res piraç~~ao

movimento em
    es   piral
 respiro fundo

paro
e piro.


quinta-feira, 30 de maio de 2019

chuva

Hoje eu quase não comi.
Há um buraco de minhoca crescendo em mim.

Outro dia Ceci molhou um dos lados de minha calça enquanto eu lhe banhava. Minha memória, com a rapidez da velocidade da luz, me levou para os tantos banhos de chuva que já tomei na vida. Me levou também a me perguntar pelo que me fez deixar de tomá-los.

Quando foi que parei de querer me molhar com a água do céu? Quando foi que fiquei completamente indisposta de receber as gotas caindo em meu corpo, enxarcando minhas roupas, abrindo meu sorriso em sol, em dó, em tom maior... ? Quando foi que me abandonei assim pelo caminho?

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Macapá

Lágrimas de emoção sempre rolam em meu semblante,
Quando te vejo do alto, quando te vejo distante.
Por entre nuvens, tuas luzinhas, teu Amazonas caudaloso.
Sinto de uma só vez o peso de tua gente, tuas belezas e teu cotidiano doloroso.
Me viste crescer e sempre que parto penso no quanto também te quero bem e o quanto te quero grande.

sábado, 20 de abril de 2019

Linha imaginária.

Ontem entendi:
Há uma linha,
Demasiadamente fina,
Que separa o "ser gigante" do "ser minuscula".
Ela me corta, bem ao centro, como o eixo de um planeta, o cerne de uma árvore, a linha do equador, o miolo de um livro.
Entendi, finalmente, que não adianta enxergar de outra forma esse tudo que eu sou... Ele é feito de "meio", interseção...
Duas metades:
Uma muito grande.
Uma muito pequena.
Ambas: eu.

E é fina, extremamente fina, essa separação.
Parece banal cambalear por esses lados.
E parece, cada vez mais, que é isso que é ser humano.
Agora entendo.

terça-feira, 16 de abril de 2019

Riso nascente


Quem te vê assim, aberta ao mundo por um sorriso, gargalhada leve, dentinhos cortando o vento, em um movimento profundo de alegria... Nao sabe, nem imagina, que vi quando nasceu teu sorriso! E não sabe que eu nao podia imaginar quão mais belo ele poderia ficar com o passar do tempo. Vi nascer um sorriso! Que rara beleza de se viver!  Quanto mais vivo mais noto o quanto nao é tão difícil ver sorrisos morrerem. Quando o riso se põe, tal qual sol se indo num fim de tarde... Amarelado se esvai ... Mas ver um sorriso nascer, me estremeceu o sentir, é como se fizesse também nascer um sol dentro de mim. 

domingo, 7 de abril de 2019

Manhã nova

~notas agudas e espaçadas de piano~

De-li-ca-da-men-te
Tal qual gota de orvalho
Que ao mesmo tempo firme e trêmula
Em sua translúcidez cíclica
Na ponta da verde folha, viva e crescente
Sob a luz difusa, clara e serena do sol preguiçoso da manhã
Amanheço.
De um sono profundo... Vagaroso... Pesado... Escuro... Amanheço!
Me confundo com a manhã, me abro à luz viva do universo.
Abro os olhos, os olhos do mundo me abrem.
Eu, água... Volto a fluir entre muitas dimensões: Terra, ar, organismos vivos, escorro pelas ruelas, molho rostos, alago...
Evaporo, dissolvo, diluo, arrebento!
Chovo, como garoa, como tempestade!
Sou orvalho, oceano, poça.
Rio Amazonas, lago, pororoca!
Eu existo! Eu vivo! Sou/Estou aqui!
Sigo... Nem sempre líquida e flúida, mas, de novo, em movimento.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

O dia amanhece, mas ainda é noite.

O dia amanhece, mas ainda é noite. Emerjo da liquidez dos sonhos e mergulho na realidade, saio de uma água para outra. Sem fronteiras... Sigo no caminho das profundezas oceânicas, ando em suspensão, sigo o roteiro programado. Calada, noto meus sentidos se expandindo, posso sentir cada pequeno barulho e gravar cada milésimo de frame do que vejo. O ruidoso som das chaves tilintando umas nas outras dividem espaço com sua gelidez metálica, lisura dura e seu prateado envelhecido mas ainda um pouco cintilante. Abre-se a porta, portas fechadas. Há uma contradição nisso que sou... De novo aquela vontade de não ser. Aquele medo do depois e aquela fraqueza do agora. Coloco mais café do que deveria. Duvido da minha existência. Lembro de coisas que não vivi. Ainda não passei da décima primeira página daquele livro. Minhas coisas foram encaixotadas e estão na calçada. Minhas quinquilharias foram convidadas a se retirar. Queriam jogar tudo fora. Não jogaram... Mas lá está tudo, tudo o que eu sou,  pairando parado no cimento cru.  Se eu não sou minhas quinquilharias, meus livros lidos e não lidos, minhas coisinhas pequenas guardadas em caixinhas ou sacolinhas... Desimportâncias... Quem mais eu sou? Quando soube que estava grávida, tive certeza que enlouqueceria. Quando "voltei" a "mim", surpresa me vi mais lucida e objetiva que nunca, havia florescido uma versão melhorada de mim, voltei a um ponto no qual jamais havia estado. Hoje entendo que na verdade enlouqueci, mas alguma coisa etérea me ensinou a guardar minha des-consciencia nos bolsos que não tenho.

Houve uma época em que guardávamos o tempo numa xícara, passou um pouco e xícara já não há. Assim como já não há mais nenhum tempo que se guarde. Estou em várias dimensões de mim agora. É confuso... Contraditório... Ridículo... Eufórico e triste ao mesmo tempo, como um vídeo de personagens conhecidos dançando e correndo ao som de "one way trigger" enquanto o sol se põe. Tenho dúvidas... Onde devo estar de fato? O que exatamento eu posso fazer? Onde está escrito tudo o que não posso me atrever a ser? Onde pego o mapa com as coordenadas de onde não estar? Todo humano precisa de uma mãe, eu diria. Elza disse que deus é mãe. Eu tenho cada vez mais medo (e raiva?) dessa palavra. Oscilo, como sempre, entre caimbras e espasmos.  Nada continua. Hoje quero permanecer num lugar escondido de mim.  Só queria poder misturar o som de água da música que tocava quando Cecília nasceu, com o que senti quando ela me encarou pela primeira vez, com o que sinto quando ela me abraça, com o que sinto quando ela fecha os olhos e dança, com o que sinto ao ver seu sorriso e seus passos, com o sinto ao ver o rio amazonas, e o que sentia ao tomar banho de chuva, ao dançar de olhos fechados, com o que sinto depois de tomar um copo de vinho, e o que sinto enquanto desenho, canto, filmo, vejo uma apresentação teatral ou filme que me arrebata...

Amanheceu mas ainda é noite, e as palavras povoam minha alma como quem narra uma história em um universo onde a minha voz importa. As vezes elas só me saem, sem forma, sem boniteza, só com letras e fome, gritando por liberdade. No fim das contas sou sempre eu, sozinha, distante, poente, falando sombras e luzes comigo mesma.


sábado, 7 de julho de 2018

Ano I






Curioso como um ano pode passar tão rápido e ser tão gigante ao mesmo tempo. Uma vez eu vi um ninho de beija-flor, feito  num fio de energia, dentro de uma construção inacabada. Eu que sempre imaginei um ninho de beija-flor na infância, me emocionei e achei que nunca mais veria um igual. Eis que no sábado em que Ceci completou a primeira volta em torno do sol, vimos juntas uma mãe beija-flor, de uma espécie grande com peito branco, chegando em seu delicado ninho indo ao encontro de seu minusculo filhote. Quão pequena vida! Quão pequenas as nossas!? Nesse dia vimos também três anus brancos, enormes, abrindo suas lindas caudas e saltando entre os mururés no que parecia uma perseguição coletiva. Aprendi o nome regional do anu branco nesse dia, mas já esqueci.

Tem uma coisa de sol que a Cecília me apresenta que inaugura uma energia nova nesse meu universo tão lunar. É também uma coisa  forte de silêncio e de presença integral, que ilumina e aprofunda cada segundo como um outro tipo de consciência da existência, mais atento e sensitivo. Me pergunto como uma mãozinha tão pequena, tão leve, tão macia, pode ser capaz de me tocar tão profundamente. Só sei que agora choro como quem é feita só de água. Preciso ouvir o que todas essas coisas me dizem antes que seja tudo diluído pela maré do devir.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Aqui d-entro.

Dentro de mim há uma dança, uma música, uma festividade antiga, originária, sincrética, pulsante e colorida. Aqui dentro acontece um baile, um desfile de personagens circenses desbotados e debochados. Aqui dentro eu sambo, rebolo, giro a saia, sorrio. Aqui eu sei fazer música e canto juntando melancolias, rasos e funduras. Aqui dentro acontecem espectáculos, grandes manifestações de humanidade. Aqui eu pinto grandes murais, construo bonecos de papel machê, crio máscaras, coreografias, longas metragens, livros, miniaturas, fotografias...  Aqui todas as - minhas - desimportâncias importam. Tudo "aqui"... Da ponta do nariz pra dentro. Dos cantos dos olhos pra dentro. Das unhas das mãos e pés pra dentro. De todos os orifícios de meu corpo pra dentro.
Dentro... Onde entro e sento, fico, espero. Dentro... Onde sinto, vejo, amo, quero.
Dentro... Onde sonho, desejo, e bailo -gigante.

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Tenho chorado ao ouvir ou saber de histórias de amor... Não sei direito porque, mas é como saber de coelhos a andarem pelas ruas. É como saber que alguém densificou um pouco de vento, guardou num pote e colocou em uma exposição. A cada dia que passa algumas coisas des-existem em meu imaginário, em mim... Evaporam ideias e conceitos antes tão concretos... Abstraem-se nas minúsculas entrelinhas dos dias... A dúvida recorrente é se isso é bom ou ruim. Será que vai sobrar algo quando tudo o que eu sou evaporar?

quinta-feira, 14 de junho de 2018

sussuro vazios

Às vezes, quando só, balbucio nadas. Emito sons como quem tem algo a dizer. Movo os lábios e tensiono o queixo repetidamente, como quem fala diversas palavras que de tão curtas nem existem. Sussurro vazios na língua da ausência, traço diálogos indecifráveis com ninguém.


https://www.youtube.com/watch?v=nY3ghukPKtA

sábado, 2 de junho de 2018

Não sou grande.

Sentada, vejo/sinto/ouço Alceu Valença cantando La Belle de Jour e Girassol. Comigo, Cecília. Em silêncio admiramos alguma coisa grande de beleza pairando no ar. Em suspensão aqueles minutos parecem levar dias. Olho ao redor, tudo parado. Olho para fora de casa através do vidro da porta, as mangueiras que fazem parte da vista estão a bailar devagar. Cada vez mais devagar... Até que param. Assim como está parado também meu corpo. Percebo então que estou ali, bem ali, exatamente ali, inteira. E junto a mim um pequeno ser humano também inteiramente presente. Conectadas pelo colo, nos ligamos num abraço macio e quentinho. Olho novamente pela janela, fito as mangueiras agora já completamente estáticas. "Eu não sou grande", essas palavras são sopradas em minha mente por algum sussurro do universo e me servem de estalo. Eu não sou grande! De fato, não sou. Sou pequena em demasia. Muito muito pequena, do tipo que nem se enxerga a um metro de distância. E longe. Sou demais longe. É demasiadamente longe essa coisa toda que eu sou. Talvez por isso me arrebate tanto, estar perto, tão perto do aqui e agora, e tão perto também do que é grande de verdade.








quinta-feira, 22 de março de 2018

Ojos morochos

Toda santa vez que a vejo acordar meu conceito de beleza é "atualizado com sucesso". E não é por causa de seus olhinhos puxados (herdados do pai) e a deslumbrante mistura de cores que os assemelham a pedras preciosas (ou apenas "los ojos morochos mas lindos que vi")... É que a cada vez que vejo suas pálpebras abrindo e lhe revelando o mundo novamente a vejo me olhar como quem contempla o infinito do firmamento, sinto a profundeza do seu olhar me atravessando com a delicadeza e todo o mistério que só os recém chegados nesse plano são capazes de carregar... 

Não tem a ver com os seus olhos,  mas com o universo que transborda deles e me atinge de forma aguda, toda santa vez que ela acorda. É lindo... E é sempre uma lindeza diferente...

terça-feira, 13 de março de 2018

Nada com nada

Abro a porta às dez da noite, ponho-me a empurarr os olhos pra fora, só pra confirmar que é noite. É noite. O vento frio e amarelado de rua deserta e molhada me reafirma que é mesmo noite agora. Há vazio, há niguém, há nada ali além do meu olhar que paira loucamente de um extremo a outro da rua. Não existe fora e nem dentro quando ponho os olhos da porta pra lá.

"Tiro na mente"... Ouvi duas vezes essa frase essa semana... Num mesmo dia, aliás. Mesma conversa, na verdade. Nunca havia ouvido e muito menos pensado na possibilidade... BUM! Perfurou minha cabeça ouvir esse conjunto de palavras... Poderia a mente ser acertada fisicamente, seja lá pelo que fosse? 


E como é o inverso de um abraço? Uma sensação forte e desamparadora de não-encontro de corpos e almas, de não-contato, de não-afeto... Como é isso? A sensação dura e ávida da ausência de pressão da matéria corpórea de um ser sobre outro de forma simultânea. Acho que envolve sentimento além do sensório... Se o abraço é algo bilateral, o não-abraço também o é? Bem que poderia, mas me parece que não.


domingo, 21 de janeiro de 2018

Desculpa, meu amor...

"Desculpa, meu amor... " Ouvi vindo por trás de mim enquanto abria o portão. A música brega vinha de uma caixinha de som de um senhor, que andava acompanhado de outro senhor, ambos quase acompanhados de uma senhora, que, tentando se distanciar, visivelmente estava com vergonha do (provavelmente) marido, portador da música alta. Ao notar minha presença ela esbravejou: "DESLIGA ESSA DROGA! Que coisa mais BESTA!" como quem se defendia da possibilidade de estar ouvindo por vontade própria aquele brega naquela manhã ensolarada de domingo, ao mesmo tempo ela foi se afastando deles ao ponto de estar a uns três metros de distância.

Olhei pra ele e vi o exato momento em que abaixou o volume. Ao seu lado, um sorriso amarelo, complacente, de seu (provável) amigo, sob um malandro chapéu panamá. Vi ali também uma tristeza e ela seguiu junto.

Olhei para a mulher e só enxergei os passos firmes e retilíneos de quem sabe da raiva que está sentindo. Vi suas costas certas de que era para "lá" que deveriam se voltar  sua frente e seu andar.

Foram diminuindo... Passaram todos. Seguiram para esse "lá" da rua, onde minha vista não alcança. Seguiram como quem, apesar de qualquer coisa, sempre passa, apenas passa, pois que é feita de passar essa natureza deles.
Olhei a porta, abri, entrei. Como posso ser todos eles ao mesmo tempo? (As pessoas, a música, a rua, a complacência, a raiva, a tristeza e o passar.)


sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Foi um sonho (?)


Emergi numa dimensão onírica mas muito concreta. Deve ter sido a primeira vez que tive a sensação de estar sonhando durante um sonho. Mas era tão material o meu redor que ali me convenci de que eu realmente estava. Olhei atenta o lugar deserto, tentando fixar os detalhes de onde jamais estivera, até aquele momento. Era um local com ares de casa antiga, mas a arquitetura mais parecia algo contemporâneo, brotado da espontaneidade da necessidade. A Pintura lilás, de tinta esmalte brilhosa, estava por toda parte e fazia reluzir as linhas arredondadas e orgânicas do reboco que cobria a mureta e as paredes. Ninguém por perto. Era noite. Lugar desconhecido. Minha consciência surge naquele lugar misterioso, cujo deserto tão evidente me despertou fantasmas e sobressaltos. Meu olhar pára numa espécie de cabine, feita do mesmo cimento e coberta da mesma tinta. Havia nela um balcão, como uma baiúca de vender açaí, ou mesmo uma área de lazer de um residencial, com aquelas churrasqueiras grandes de tijolos. “Não tem ninguém aqui” tremia meu pensamento enquanto eu sentia o medo subir pelas pernas...  Me aproximo e enxergo na parede da cabine, imagens de santos ou algum tipo de iconografia sagrada. Algo puxa meu olhar para o outro lado da rua. Os muros baixos permitiam esticar meus olhos ao longe apesar do breu. Um cemitério!? Um cemitério!! Tinta fresca, azul anil, detalhes brancos. Mesma estética de cimento de linhas tortas… Era tudo o que eu conseguia ver além das sombras e da escuridão. Olho rápido ao redor... “Não tem ninguém aqui!”. Suspiro forte. Tela preta. O medo me leva. Sumo. 

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

É grande ao redor...


...Sou dada a observar distâncias.
Percorro com os olhos as longas linhas invisíveis que traçam os caminhos que não são perto. Sou o tipo de gente que enxerga beija-flores ao longe, pássaros voando depois de onde a vista alcança. Fácil alcanço lonjuras, mas como engolir as distâncias e tocar o que é perto, o que é aqui? 
É grande ao redor... Enorme até. Tantos caminhos...

Onde
ei
de
ser
?

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Dentro é um buraco sem fundo


...
Acho que morri um pouco. Aliás, sei que morri. De repente parece tudo uma grande tolice. A humanidade é ridiculamente pequena diante do cosmos, quiçá eu. Outro dia experimentei o nada, de novo, mas dessa vez acho que ele me abduziu. Dentro é um buraco sem fundo. Eu trouxe mais alguém pra este mundo. Esse mundo abarrotado de gente que flui dum jeito torto e desconexo entre si. Achei que seria só mais um pedaço de morte, coisa simples, normal, mas grande parte de mim simplesmente não voltou. Quando era criança eu tinha uns insights que me levavam rapidinho no nada e me traziam de volta ofegante, desconfiada, apavorada... Normalmente acontecia na área de serviço: "E se eu fosse uma máquina de lavar?" Sem pensamento, sem coração, sem sentimento ou qualquer sensação??? Era desesperador, tocar a não existência.. A não vida. Estarrecedor pra uma pequena menina. Outro dia, a sensação de não-ser pipocou de novo em minha consciência e se espalhou explosivamente pelo meu corpo, mente, alma... É ruim, mas não consigo evitar. Ao menos era ruim antes, agora talvez eu tenha me encontrado pelo reino absorto do tanto faz. Não ser... Sem expectativas... Sem medos...  Ninguém... Nada... O nada pode ter se tornado uma opção nunca dantes revelada e o tudo continua demasiado pesado, confuso e pretensioso. 

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

sábado, 4 de novembro de 2017

concreto


Me olho no espelho de madrugada pra lembrar quem sou. Ninguém me chama, é tarde... Ouço lá fora a polícia. Cães latem. Ecoam em mim poemas indecifráveis. Me é dificil pensar além da concretude desses dias. 

domingo, 7 de maio de 2017

gravidade e vir-a-ser






























Enquanto greves gerais estouram
E são atacados indígenas, imigrantes...
A gravidade me atinge
A gravidez
Eu
Esfinge
Ouço o tempo a construir
Esse tudo o que há de vir

Com alguns órgãos comprimidos
Olhos deprimidos
Cérebro e pele expandidos
Enquanto o rapaz se recupera
Do tiro que lhe tirou a vitalidade
Os engravatados incitam guerras
Revigoram ditaduras
Mas que duras realidades!

Me dói cada vida dessa
Que se esgueira por abismos nefastos
Descritas nos noticiários
Como se num frio jogo de video-game
Existências se desfazem
Destroem-se possibilidades
Inventam-se mais caminhos de improbidade

Enquanto, em meio e sendo também isso
Esse caldeirão que me tornei
Com as poções devidas para gerar gente
Me transformou em um num sei quê
Que me faz enxergar mais

Enquanto alguém me deseja mal
Eu nem bem sei o que desejo
Sinto Cecília mexer, virar, empurrar
E mexe tudo nesse país que eu sou

Coisas jamais retornarão para o lugar de antes
Onde era esse antes, onde será esse depois?
Me sinto mais que nunca conectada a alguma coisa abstrata e disforme
Que me joga na bruteza do que é estar em vida
Vida delicada e densa vida
Se desdobra em múltiplas dimensões infindas

De quem seremos ancestrais menina Ceci?
A quem estamos antecedendo?
Que planeta é esse que virá?
Que planeta é esse que agora está?
Haverá esperança no teu tempo de mulher?
Será que vamos conseguir?
Será mesmo belo esse porvir?

Tenho me olhado com olhos fixos
Encarado muito mais que três segundos
E é tudo mais confuso quando se enxerga bem o que tem dentro
Como não chorar nesse mundo que tanto magoa?
Como não transbordar se esse tudo só sabe encher?
Quantas margens hão de espremer
O rio caudaloso que sinto que sou?
Hoje, perene ainda
Será que um dia
Olharei e direi: “secou”?

Entre águas e labaredas
Me molho, me chamo
Me olho e me vou
Há saudades aqui
Saudades de um porvir
Enquanto explodem no peito, vias lácteas
Rasgam!
Abrem caminhos, criam sinapses, formam nebulosas.
Quantos universos caberão
Depois das linhas de horizontes que pós junho virão?
Quantidade é uma coisa inventada pela humanidade
Só pra provar que o infinito não cabe em nossa capacidade
[De pensar]

Enquanto milhões sofrem ataques
Sobrevivo entre câimbras e espasmos
E me perco em tanta coisa de doer
Desculpa a cafeína, meu bebê
Desculpa o cortisol
É que toda hora esqueço que meu coração é o sol
Do que te ofereço, te peço
Pega só o que lhe convir
O resto deixes pelo sangue
Fluir, fluvir
Ainda fluvial e pequena pessoa
Te ajeita por aí
Que vêm chegando esses outros dias
Muito parecidos com estes, é verdade
Mas nesses outros, a gente já vai existir
E em cada “a gente” que surge
Surgem muitas canções
Muitas danças, mudanças
Outros mundos nesse mesmo que há

Em junho a gente nasce!
Sim, em meio a muitas mortes
Mas, tranquilize, filha
Teu pequeno coração acelerado
Que é assim que a vida é.
Minha pequena, sedes forte
Pois que, além de passarinho assustado
És também guerreira, és mulher!
E és do norte!

Fora aqui é bem difícil
Mas não nos enganemos
Esse teu dentro também é fora
Só que um pouco menos
E isso te leva pra outro perto, um que é longe
Aproveites então aí
Encontra e abraça quem não está mais a errar no lado daqui
Sorria e olhe bem seus olhos
Que depois vais esquecer
Destes que te ajudaram
A este portal transcorrer
Abraça-os e ama-os
Que depois é só saudade
Inexplicáveis ausências no preenchimento do teu ser
Rostos turvos na mente, que hão de te acalmar
Quando fechares os olhos e desesperar
Se olhares direito
A eles vais enxergar, tua alma há de lembrar

Te apruma pequena
Te espero, para ensinar a voar
Espero aprender até lá
Mas acho mesmo é que juntas
Que vamos nos jogar dos galhos
De asas abertas a fim de compreender
Como funciona esse negócio de viver

Esse misto de paixão e cegueira
De fé, de canseira
De força, de fraqueza
De erro e evolução
De carne, alma e conexão
Esse misto de dor e prazer
Essa eterna sensação de ossos crescendo
De alma ardendo, dente caindo
Coração pulsando e tudo existindo
Nesse misto de mal-me-queres e bem-quereres
Vamos emanando o que não se vê
E construindo o que há de ser

Desde já, Cecília, te digo
Mesmo com todos esses perigos
De aqui ser e estar
Mesmo com toda essa vertigem
Essa náusea e mal-estar
Tudo se move
E tudo sempre se moverá
E é dentro desse tudo
Que nossas aventuras
Umas belas, outras duras
Umas leves, outras obscuras
Hão de desencadear

Marés baixas, marés altas
Tantos morreres e nasceres
Tudo pra gente crescer
Que é sabida essa correnteza cósmica
E esse tudo que ela vem trazer
Menina, vai doer!
Choraremos!
Mas é parte de estar aqui
Vamos andar, vamos cair
Nos machucar, mas também sorrir
Não te esqueças de olhar pra dentro
Que é dentro que nasce e se põe o sol
Deus é essa força que carregas no teu peito
Ela é tu, pequena deusa do arrebol

Não te esqueças também do silêncio
Senhor das perguntas e respostas
Sem ele não há como perceber
Onde está o que é importante ver e ser.
É menina, não vou te mentir
Hemos de convir
Vai mesmo doer
Te assombres mas não te preocupes
Vai ser lindo, vais ver
Este nosso pequeno grande vir-a-ser.



quarta-feira, 19 de abril de 2017

haja palavra...


Da janela do taxi, sob o céu de uma manhã confusa, vi um casal de passarinhos marrons/rajados se equilibrando um sobre o outro num fio de energia. Faz tempo que não consigo traduzir o que sinto. Meus pensamentos e sentimentos vem a tona na consciência e nos poros todos de forma fragmentada, como numa edição frenética de um filme de terror, ação ou mesmo uma videoarte (sempre foi assim, mas às vezes fica mais forte, como nos últimos meses). Da janela do ônibus, sob o céu cinza de uma tarde quente e cansada, vejo alguém se embalar deitada em uma rede, em suas mãos sustentadas pelos braços esticados no ar, um neném, que naquele segundo de lá me fita e acompanha o deslizar de minha passagem pela rua. Aquele boto pequeno que outrora, através do meu tato, mostrava seu delicado dorso vez ou outra no rio amazonas de dentro de mim, aquele que eu sentia como se flutuasse sozinho em movimentos líquidos entre as noites de um céu estrelado feito de águas oceânicas, aquele que me jogava violentamente na mágica da existência só de sentir com as pontas de meus dedos que ele simplesmente estava ali... Este pequeno mamífero imbuído de sua solidão cetácea vem atravessando meses que escondem eternidades, supercordas distorcidas, quintessências, multiversos... Antes conectado muito mais aquele universo líquido mítico, espiritual habitado por seres os mais misteriosos, os quais, ocultos da paisagem visível, tinham a função de tornar aquele mundo um lugar encantado, agora muito mais presente neste aqui e neste agora, já consigo tocar sua humanidade, já me esmaga a bexiga e os pulmões seu peso. É uma Cecília! E que linda que me parece mesmo que eu nunca a tenha visto. Tenho sonhado com aglomerados de pessoas, muitos ambientes diferentes, acordo deles sempre com a sensação clara e viva de ter estado com e passado por muita gente, sem falas, nem toques, sem interação, almas passando entre si, e tem sido como se todo dia eu tivesse acabado de chegar de uma estação de metrô lotada. Acordada, o pensamento viaja entre informações aleatórias: Uma ruela de um lugar visitado em uma viagem. A sensação da água gelando a canela em alguma tarde leve de sol em qualquer lugar banhado por um rio. Um rosto. (Um não, muitos! Eles sempre vêm em minha mente aos montes, definitivamente rostos são como as vírgulas de meus pensamentos.) Um desenho que fiz em 2009. Um flash back de infância. Alguém bem próximo levou um tiro. Existem armas. O Brasil está afundando. Por que o Trump fez aquilo? O que mais estar por vir? Como vai ser o rosto dela? Um umbigo que vi numa foto. Como me toca essa "você que me continua" do Arnaldo. Bexiga parece sempre cheia. Eu já tive tantos amigos... As pessoas somem, eu sumi. (Ou nunca estive presente?) Que maravilha saber que aquele aluno vai bem na batalha que é a vida. Saudade das idas ao meio dia no trapiche e de pegar aquele vento que beijava só o meu rosto e o meu silêncio, ninguém mais entre o sol e o rio. Aquela cena que ficava passando na imaginação enquanto atravessei o Atlântico no ano passado. Os planos que eu tinha, os planos que tenho, as não certezas e as não expectativas... Pessoas... Conexões... Quem? Verde petróleo é lindo! Verde clorofila... A gente pega uma lata de euforia e mistura com três bisnagas vermelhas e duas marrons, eis o rosa Carla Antunes. "Não vou te deixar na mão, nem vou te deixar a pé, tenho um coração de mãe". Com quantos cômodos se faz um lar? Como pode tudo parecer tão claro assim? Alguém que eu não conhecia, mas cujos projetos eu acompanhava, morreu... Tão jovem, tão cheio de engajamento.... Me soou tão injusto, inacreditável em suma. As pessoas morrem! Têm muitas pessoas lutando pra viver nesse momento. Será que o Sandro vai ficar bem? E se aquele dia tivesse sido diferente? Haveria Cecília nesse meu presente? Será que um dia ela vai desejar que eu morra? Educação. Juventude. Violência. Macapá. Aquele primeiro episódio que mostra as baleias... Mais uma aluna grávida... Que dê tudo certo. "Homem de 19 anos é morto em troca de tiros com policiais" Na periferia não existe adolescência... Qual era o nome dele? Será que era meu aluno? De que matéria impregnante  são feitas as ideias fixas? Preciso terminar meu roteiro. Não posso não terminar de ler aquele livro antes dela chegar. Será que vou acabar deixando estragar a porcelana fria que comprei? Vi uma lua cheia, esplendorosa, eram 6 da manhã, e ela toda enxerida encarava o sol no lado oposto do horizonte, tudo valeu a pena. Anteontem a cachorrinha deu dois saltos para dar duas lambidinhas na minha barriga! Ela nunca tinha nem percebido que eu tinha uma barriga e de repente resolve me pegar de surpresa e dar um oi pra esse alguenzinho, foi emocionante. Pitaya é uma fruta sem gosto que eu sempre comia por causa da cor linda, nunca havia pensado em perguntar o nome, aí um dia descobri como se chama e desde então aquele roxo vivo, de tom aberto, meio cítrico, nunca saiu da minha memória e é como se fosse muito doce aquela fatia-sorriso mesmo sendo quase inexistente o sabor. Ela mexe muito quando ouço música africana. Minha missão tem um nome que se soletra exatamente como se soletra a palavra e.d.u.c.a.ç.ã.o. Será que ano que vem consigo voltar a tentar um mestrado? Será que minha dor ciática vai deixar eu carregar essa menina? Será que vai ter um jeito de eu não me sentir tão exausta como descrevem as mães? Sinto saudades, muitas. Quando será que eu viajo de novo? Como será tudo daqui a um ano? Rostos... Temer. Sempre vejo alguém lhe acertando um tiro, acho que vem de uma série que assisti, ou então existe em mim a vontade que alguém morra, mesmo sabendo de tudo isso sobre viver, como posso querer isso? Cãibras... Falta de ar. Aquele momento em que fiquei sozinha nas pedras diante do azul da Bahia de Guanabara, meu sapato da Marisa era novo, aquele homem apareceu do nada, tive medo. Cara, aquele menino morreu mesmo... Ontem isso me perturbou de madrugada. A vida tem me agoniado todo dia, de novo essa sensação de existir emaranhando tudo, muita coisa ao mesmo tempo. Ontem palestrei pra vários professores, uma imagem que sempre via desde que comecei a trabalhar com educação...  Domiciliar... "Uau! Vais ter coragem?" Sim, vamos tentar! Fugir é ilusão. Barulho me agonia muito. Olhei de novo as características de uma pessoa com autismo e dessa vez parece que tudo encaixou. Sou uma super recognizer, ao menos foi o que deu nos resultados de uns testes, partes de um estudo de que participei, da Universidade de Greenwich, pela internet. Lembro de quase 100% dos rostos que vi na vida, 90% se não me engano. Aquele texto do Ronaldo que fala da Mariana, meu deus, como amo! Foi impagável cantar "Um shopp pra distrair" com o Bradock, naquela calçada da Pe Júlio, precisamos terminar esse doc, nem pesquisei a música do cantor italiano que ele citou. Nunca falei tanto na minha vida quanto atualmente. La belle de jur. Mirtilos. Dei sorte... A sensação de rejeição foi soterrada por uma sensação colossal de aceitação, esse tanto de elogio vou ouvir até o dia de junho que Cecília vier, depois preciso tapar os ouvidos senão vira arrogância. (Ou sou eu que não sei lidar com a possibilidade de ser alguém bacana.) Vinho, ice, gengibirra... Sensações guardadas pra depois... Como se sabe que chegaram esses depois? Confiança é uma lenda? Será? Obrigada! Me desculpe. Eu te amo. Talvez hoje eu consiga fazer um desenho. Minha cabeça dói. "Quero tudo que meu olho cego de cachorro raivoso fareja", essa frase lateja na minha mente de vez em quando. Latejar... Notei agora que lateja-se tanto de dor quanto de prazer. Atrasei pro pilates. Alguém bate a porta, não abro. Como é irritante o latido das cachorrinhas aqui de casa. "A gente foi feito pra voar, no vento que bate pra gente se secar." Aumentei o volume. Fiz um spotify, mas não sei usar. Vou continuar com minha lista infinita no youtube. Que cansaço. Amo a rua de casa quando está deserta e mais ainda quando choveu e o asfalto fica com um brilho amarelado por causa do reflexo da luz amarela dos postes, e se for madrugada, o vento, o silêncio... Aaaah! "Virá! Impávido que nem Mohamed Ali". Tudo isso enquanto desacelero cada vez mais meus passos, enquanto meus peitos se rasgam (literalmente) em vias lácteas, enquanto o passado vai sumindo e o presente se arrasta... Eu espero... E vou me embolando nesses emaranhados de informações. As vezes é tanto tudo que me imobilizo. Enfim transbordei.

terça-feira, 7 de março de 2017

sobre uma mente programada para ver fantasmas




  























*Casa de brincar no quintal da Casa Senhorial, um castelo em Malmgard, Finlândia. De tudo o que vi no castelo, entre adornos de ouro, dezenas de bichos empalhados tenebrosos, pinturas, paredes e móveis seculares... O que mais me marcou foi essa casinha abandonada no quintal do lugar. Desgarrei do grupo que me acompanhava para ver de perto o que era e me deparei com uma aparente casinha de brincar... Entrei em transe vendo isso, imaginando as vidas que passaram por ali, as brincadeiras, o momento exato em que os vidros quebraram, ou que as louças foram derrubadas... Meu olhar vive a procurar o que é vida, mas não posso negar que muito me atraem os fantasmas. 

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Aquelas tardes fevereiras


Alguém reclama fome em mim. Passo horas entre curtires e notícias inúteis. Faço coisas das quais me arrependo no segundo seguinte. Já não consigo permanecer na mesma posição por muito tempo, e mesmo assim, como quem deseja sentir dor, por vezes permaneço. Nunca foi tão frio nestes lugares do trópico acima da linha do equador. Literalmente. Nuvens cinzas pesadas todos os dias têm visitado e coberto, primeiro ao rio amazonas e depois a toda a cidade de Macapá. Dias cinzas. Dores nas juntas. Chuva fina que escorre quase que eternamente em tudo que é aqui.

Ontem finalmente pude ser fantasma de novo e vagar pelas ruas a esmo, calada, sem encontrar ninguém que conheço, só vendo e sendo a/na cidade. Eu e a sombrinha, e o asfalto, e as pessoas sem rostos; eu e o rio, e o trapiche, e a maré enchendo; eu e o chuvisco, os bancos úmidos de concreto e as tardes fevereiras. Nós todos e estes sentimentos arvorescos que se afincam entre os becos apertados desses dias... Aquela cor de tinta que não gostei, aqueles carnavais que não vivi, aquelas músicas, aquelas vidas secretas das lágrimas notívagas, aquele desejo de criar coexistindo com aquela inércia... Coisas de quem se amofina em si nestes dias molhados e regados de sentimentos alegretes de ansiosos foliões. Jeito desencontrado de qualquer coisa, esse meu.


*Às vezes me questiono a que serve escrever essas coisas... Nunca encontro resposta. Mas também não consigo me convencer que de nada serve, por que é inevitável algum alívio ao organizar parte do que paira em mim, então isso por si, já deve bastar.

sábado, 21 de janeiro de 2017

quinquilharias ou informações aleatórias e desnecessárias sobre mim




Guardo quinquilharias. Acumulo tudo. Pensar em desapego me desespera. Mas não me refiro às poucas coisas razoavelmente caras que possuo. Meu apego se atém as minusculosidades. Tenho desde uma bolinha de gude encontrada enterrada na estrada onde ajudava na gravação de um vídeo, passando por uma coleção de cartas de baralho encontradas na rua, algumas dezenas de fitas vhs, sacolas com dezenhas de frascos vazios de desodorante, sacolas contendo outras sacolas, muitos papéis, caixas contendo miudezas infinitas... Outro dia finalmente consegui jogar fora alguns pedaços de varetinhas de bambu verde os quais estavam guardados desde o ensino médio... É, eu sei, é grave. Mas... O que não o é nessa vida? Me pergunto...

Minha família é o choro e a melancolia. Há muita solidão e lágrima nisso de que somos feitos por aqui. Nesse sangue que passamos um para o outro corre algo de triste, que não cabe na gente e transborda no suor dos dias. Ainda não tem uma imagem que me corroa tanto nessa vida quanto acompanhar o rolar pesado e salgado de lágrimas a cair pelo rosto da minha mãe. A forma como ela tenta segurar o choro tensionando os músculos do maxilar, contraindo os lábios, e quando a fala embarga e chega a hora de abrir as portas do precipício que há entre os olhos e o chão. As sombrancelhas caem sob o peso de um coração pesado. Dói ver essa cena tão repetidas vezes. Dói mais ainda não saber o que fazer...

Ontem eu senti alguém se mexer dentro de mim. Não assisti na distância da tela preta e azul. Senti com o tocar de minhas mãos. Assustadoramente mágico. Sorri e pela primeira vez consegui iniciar uma conversa, singela e tímida mas finalmente falada na segunda pessoa, me reportando diretamente a este pequenino alguém que vem vindo. Não sei o por quê, ainda não havia conseguido fazer isso. 
E afinal quem é que vem chegando nessa estação que eu sou? Será que de onde vem há mais leveza que pesar?

Inacreditável isso de existir. E parece que tudo isso nunca será sobre entender. Não sei do que se trata, só sei de perguntas. Tem um peso aqui, que parece vir de tudo o que não tenho, tudo o que não há por perto. Quem será que inventou isso de o presente sempre ser menor que o futuro? Quem inventou isso de poder inventar na cabeça o que ainda não houve nos hojes? Amanhã...  Quantos fantasmas somos capazes de aprisionar em nosso peito?

Eu sempre quis ter filhos, desde sempre, por achar as crianças tão encantadoras com suas curiosidades e formas simples de lidar com tudo. Talvez eu jamais tenha parado para pensar no processo que precede a chegada de um ser humano a este planeta. Nunca imaginei que me perturbaria tanto. Me sinto flutuando em um espaço escuro, que de tão escuro não enxergo se o que há ao redor é pequeno ou infinito. A sensação é de estar rodeada de abismos que podem ter estrelas penduradas ou não. A única coisa que vejo aqui sou eu mesma, uma espécie de espelho cujo reflexo mostra o fundo do que não se vê. E só há o fundo de mim a ser visto por aqui. Não sei o que pensar sobre isso. Sinto que há coisas pra jogar fora, mas por onde começar se tudo o que há em mim divide espaço com bugingangas as mais diversas? Pode ser que eu seja a principal tralha da qual  preciso  me desfazer... Não sei.

sábado, 7 de janeiro de 2017

o cosmo em mim



Vi uma pessoa. Alguém que se mexia. Vi mãos e pés, cabeça e barriga. Um ser, mas não qualquer, um humano. Assombro. Quer dizer então que guardo em mim o infinito? Meu corpo carrega a imensidão do lugar de onde vêm as pessoas... Quão grande é isso? Não sou capaz de medir. O que posso fazer é não entender como esse processo pode ser tão normal. Todos que aqui estamos viemos através dele. Nascer... Quantos mistérios carrega esta palavra? Como alguém pode se acostumar com um outro ser humano dentro de si? De onde veem eles antes de atravessar o portal? Antes de nos atravessar? Antes de mergulhar em uma dimensão oculta e através de um segundo ser, emergir em uma dimensão outra? Outro "aqui" e outro "agora"... Somos portais... Que loucura! Me tremo ao tentar pensar na amplitude que isso possa ter. Desde que me achastes, pequenino alguém, sou toda desnorteio, toda esplendor, toda assombro e toda amor. Encarando o cosmo em mim, olhando para os céus que se abrem em abismo e luz aqui, te aguardo com a ânsia de quem nada sabe.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Aquarela




Meu primeiro encontro com ela e já consegui chegar em lugares os quais, sem sucesso, há muito, procurava. Ao menos houve cor e leveza e o que dói doeu um pouco menos. Continuei sentindo quereres sobre estar em outros lugares que não estes aquis que me são possíveis nestes agoras. Mas teve algo de sereno que me acalentou. Bom saber que posso construir lugares assim e que eles estão dentro de mim. Isso de mexer com cores, faz ressoar umas músicas bonitas em mim... Como é maravilhoso poder contar com isso! Ainda são parcas as palavras por aqui, guerreiras no deserto "seguem o seco" e conseguem musculatura para quebrar buracos nas crostas desse num sei quê que tem me abraçado tão forte. Quero logo os amanhãs que esses hojes tem me dado febre demais, calafrios e vertigens demais. 

sábado, 5 de novembro de 2016

Uma prece para o abismo do que não conheço

Quanto tempo alguém é capaz de permanecer sentado sobre as sombras de sua própria solidão? De que matéria são feitos esses dias tão pesados que passam tão l e n t o s como quem nem gostaria de passar? Quantos demônios cabem nessas horas seculares em que tudo cabe mas nada convém? Quantos anos passaram-se hoje? Quantos terão passado até junho do ano vindouro? Quantas eus passarão até lá? Pode dar à luz quem só conhece à sombra? Onde a centelha divina? Onde o eu maior? Onde fui parar que não me encontro? Entrei em coma ontem e não consigo acordar. É escuro e devagar aqui. Ouço ao longe muitas vozes. Gosto da experiência de passar o dia a ouvir o silêncio, de não traçar palavra alguma, de não produzir som nenhum, de só ser e escutar. Há tanto lá fora e eu insisto em entrar. Mais um tanto de hectares inexplorados a descobrir. Sem asas desta vez... Com todas as forças que minha pequenez pode ter, com toda a densidade que a carne do meu coração carrega e todo o sentimento que possa caber em meu útero. Eu te enxergo e te abraço, peso de tudo o que não me é conhecido. Abismo do desconhecido, não sem medo, te digo: vem!

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

céu




De Caruaru à Recife

Cactus. Montanhas recortadas. Retalhos de terra e planta. Vários tons de verde e marrom.


Durante o caminho três coisas me chamaram atenção além de todo o resto:

1. Um ser de três cabeças semelhante a um cão, próximo a um peixe e um cavalo marinho, ambos gigantes com pelo menos uns dois metros de altura... Pareciam ser de concreto e ferro. Todos como que guardavam a frente de uma porteira. Uma entrada de um lugar com muro bem colorido. Um lugar no qual preciso entrar um dia. Não vou esquecer.

2. Uma casinha um pouco tombada para o lado, bem ao fundo de um terreno bem comprido e fino quase como um caminho por onde só se passa e não se mora. Acima do portão, bandeirolas de pano com cores variadas tremulavam com o vento e indicavam alguma coisa sobre existir ali uma festividade invisível de todas as tardes.

3. Um barraco quadrado na beira da estrada, feito de ripas e pedaços reaproveitados de lonas com imagens publicitárias. Não parecia ter chão, nem divisões por dentro. Havia pobreza... No meio do que parecia a entrada, pendurado em uma ripa, um boneco colorido que aparentava ser de papel machê envernizado. Sozinho, de braços abertos, ligeiramente inclinado, parecia saudar quem passava pela estrada. Sua expressão não recordo, não sei se cheguei a enxergar. Havia beleza... Sorri sozinha e retribui a saudação. Pessoa que colocou ali o boneco para velar os viajeiros, eu enxergo você. Obrigada por existir.

Parti...  Pela linda estrada... Pelos metrôs lotados de vendedores e sotaques... Pela saudade de alguma coisa que já vivi nessas terras em algum tempo que desconhecço... Feliz por ter podido voltar... Olhando distante pela cidade passando pelas janelas... Pedi: Nordeste me prometa que eu voltarei. De volta só o silêncio recebi como resposta.


segunda-feira, 17 de outubro de 2016

sábado, 15 de outubro de 2016

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

nadalém

De volta aos espasmos... Tenho ouvido muito a músicas tristes. "Que música de igreja é essa menina?" É que se alojou aqui uma fraqueza... Vertigem constante. Desvontade... Preguiça de tudo isso que é vida. Nada é suficiente. Tudo o que não se possui é sempre o que parece mais maravilhoso. Dormências... Concentração no oco que há, no oco que sou. Aí não consigo fingir, só consigo me ligar ao que sinto que é ligado à minha vibração ou à minha ausência de vibração. Tenho tido dificuldade de me traduzir à mim mesma. Não sai um texto que me agrade, nenhum desenho flui, nada é macio, tudo é moroso e pouco nítido. O tempo vai pesando e de repente não há mais nenhuma batida enérgica que possa sair da playlist do celular, tudo é devagar, sem pressa, quase morto, como tem sido o bombar do meu sangue. As palavras saem como uma embalagem de chiclete jogada por alguém displicentemente na rua... Frívolas, secas, solitárias e inúteis.

Entro em mim vestindo um farrapo qualquer. Olho ao redor, não tiro os sapatos, não lavo as mãos, não bebo água, não me banho. Apenas me sento na cadeira confortável da sala de estar, misturo com o café leite em pó. Me embalo como se nada mais além houvesse e pode ser que nada haja mesmo e esse "além" seja mais uma infante invenção humana. 

É a tal da primavera minguante que vez ou outra entre espasmos e dormências me amansa para além do limite saudável da mansidão. Quase paralisada, eu absorta me desconecto, ou me conecto com outras dimensões além do que é palpável no passar dos dias. Não sei... No fundo é um tremor... Um terror... Um medo... No fundo é só o fundo, o piso de areia movediça da alma crescendo... 

Termino o café e permaneço. Nenhum movimento além de toda a loucura do mundo que se move alucinada da porta pra fora. No fundo da xícara, além de meus próprios olhos, o tempo e mais nada.

"Não há nada além
Não há nada além agora aqui
Não há nada agora além daquilo que eu sou

Silêncio e som
Povoam o meu corpo
Era a pedra e eu
(...)
E o nada
Pousando em mim"

...

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Rio, horizonte fluido.

O que mais me marca em viver onde vivo é poder vez ou outra lançar ao longe o olhar e receber em troca um horizonte fluido a me acarinhar e dizer que nem tudo é tão duro assim. 

Se já amo as ruas pela sensação que elas me provocam, (de pertencimento, suspensão, conexão e introspecção ao mesmo tempo) amo-as mais ainda porque algumas me levam até a linha das águas dançantes, onde o limite é ilusão e a distância é permanente. 

Se há um algo para o qual a gravidade me atrai desesperadamente, esse algo é essa cercadura de curvas circunscrita entre a terra e o céu, que de longe se mostra um portal pro infinito, um triz entre o chão e o etéreo e de perto pesa e dança, fazendo ecoar ventos que cantam e fazem dormir monstros residentes nos peitos de quem passa demasiado perto.