sábado, 4 de novembro de 2017

concreto


Me olho no espelho de madrugada pra lembrar quem sou. Ninguém me chama, é tarde... Ouço lá fora a polícia. Cães latem. Ecoam em mim poemas indecifráveis. Me é dificil pensar além da concretude desses dias. 

domingo, 7 de maio de 2017

gravidade e vir-a-ser






























Enquanto greves gerais estouram
E são atacados indígenas, imigrantes...
A gravidade me atinge
A gravidez
Eu
Esfinge
Ouço o tempo a construir
Esse tudo o que há de vir

Com alguns órgãos comprimidos
Olhos deprimidos
Cérebro e pele expandidos
Enquanto o rapaz se recupera
Do tiro que lhe tirou a vitalidade
Os engravatados incitam guerras
Revigoram ditaduras
Mas que duras realidades!

Me dói cada vida dessa
Que se esgueira por abismos nefastos
Descritas nos noticiários
Como se num frio jogo de video-game
Existências se desfazem
Destroem-se possibilidades
Inventam-se mais caminhos de improbidade

Enquanto, em meio e sendo também isso
Esse caldeirão que me tornei
Com as poções devidas para gerar gente
Me transformou em um num sei quê
Que me faz enxergar mais

Enquanto alguém me deseja mal
Eu nem bem sei o que desejo
Sinto Cecília mexer, virar, empurrar
E mexe tudo nesse país que eu sou

Coisas jamais retornarão para o lugar de antes
Onde era esse antes, onde será esse depois?
Me sinto mais que nunca conectada a alguma coisa abstrata e disforme
Que me joga na bruteza do que é estar em vida
Vida delicada e densa vida
Se desdobra em múltiplas dimensões infindas

De quem seremos ancestrais menina Ceci?
A quem estamos antecedendo?
Que planeta é esse que virá?
Que planeta é esse que agora está?
Haverá esperança no teu tempo de mulher?
Será que vamos conseguir?
Será mesmo belo esse porvir?

Tenho me olhado com olhos fixos
Encarado muito mais que três segundos
E é tudo mais confuso quando se enxerga bem o que tem dentro
Como não chorar nesse mundo que tanto magoa?
Como não transbordar se esse tudo só sabe encher?
Quantas margens hão de espremer
O rio caudaloso que sinto que sou?
Hoje, perene ainda
Será que um dia
Olharei e direi: “secou”?

Entre águas e labaredas
Me molho, me chamo
Me olho e me vou
Há saudades aqui
Saudades de um porvir
Enquanto explodem no peito, vias lácteas
Rasgam!
Abrem caminhos, criam sinapses, formam nebulosas.
Quantos universos caberão
Depois das linhas de horizontes que pós junho virão?
Quantidade é uma coisa inventada pela humanidade
Só pra provar que o infinito não cabe em nossa capacidade
[De pensar]

Enquanto milhões sofrem ataques
Sobrevivo entre câimbras e espasmos
E me perco em tanta coisa de doer
Desculpa a cafeína, meu bebê
Desculpa o cortisol
É que toda hora esqueço que meu coração é o sol
Do que te ofereço, te peço
Pega só o que lhe convir
O resto deixes pelo sangue
Fluir, fluvir
Ainda fluvial e pequena pessoa
Te ajeita por aí
Que vêm chegando esses outros dias
Muito parecidos com estes, é verdade
Mas nesses outros, a gente já vai existir
E em cada “a gente” que surge
Surgem muitas canções
Muitas danças, mudanças
Outros mundos nesse mesmo que há

Em junho a gente nasce!
Sim, em meio a muitas mortes
Mas, tranquilize, filha
Teu pequeno coração acelerado
Que é assim que a vida é.
Minha pequena, sedes forte
Pois que, além de passarinho assustado
És também guerreira, és mulher!
E és do norte!

Fora aqui é bem difícil
Mas não nos enganemos
Esse teu dentro também é fora
Só que um pouco menos
E isso te leva pra outro perto, um que é longe
Aproveites então aí
Encontra e abraça quem não está mais a errar no lado daqui
Sorria e olhe bem seus olhos
Que depois vais esquecer
Destes que te ajudaram
A este portal transcorrer
Abraça-os e ama-os
Que depois é só saudade
Inexplicáveis ausências no preenchimento do teu ser
Rostos turvos na mente, que hão de te acalmar
Quando fechares os olhos e desesperar
Se olhares direito
A eles vais enxergar, tua alma há de lembrar

Te apruma pequena
Te espero, para ensinar a voar
Espero aprender até lá
Mas acho mesmo é que juntas
Que vamos nos jogar dos galhos
De asas abertas a fim de compreender
Como funciona esse negócio de viver

Esse misto de paixão e cegueira
De fé, de canseira
De força, de fraqueza
De erro e evolução
De carne, alma e conexão
Esse misto de dor e prazer
Essa eterna sensação de ossos crescendo
De alma ardendo, dente caindo
Coração pulsando e tudo existindo
Nesse misto de mal-me-queres e bem-quereres
Vamos emanando o que não se vê
E construindo o que há de ser

Desde já, Cecília, te digo
Mesmo com todos esses perigos
De aqui ser e estar
Mesmo com toda essa vertigem
Essa náusea e mal-estar
Tudo se move
E tudo sempre se moverá
E é dentro desse tudo
Que nossas aventuras
Umas belas, outras duras
Umas leves, outras obscuras
Hão de desencadear

Marés baixas, marés altas
Tantos morreres e nasceres
Tudo pra gente crescer
Que é sabida essa correnteza cósmica
E esse tudo que ela vem trazer
Menina, vai doer!
Choraremos!
Mas é parte de estar aqui
Vamos andar, vamos cair
Nos machucar, mas também sorrir
Não te esqueças de olhar pra dentro
Que é dentro que nasce e se põe o sol
Deus é essa força que carregas no teu peito
Ela é tu, pequena deusa do arrebol

Não te esqueças também do silêncio
Senhor das perguntas e respostas
Sem ele não há como perceber
Onde está o que é importante ver e ser.
É menina, não vou te mentir
Hemos de convir
Vai mesmo doer
Te assombres mas não te preocupes
Vai ser lindo, vais ver
Este nosso pequeno grande vir-a-ser.



quarta-feira, 19 de abril de 2017

haja palavra...


Da janela do taxi, sob o céu de uma manhã confusa, vi um casal de passarinhos marrons/rajados se equilibrando um sobre o outro num fio de energia. Faz tempo que não consigo traduzir o que sinto. Meus pensamentos e sentimentos vem a tona na consciência e nos poros todos de forma fragmentada, como numa edição frenética de um filme de terror, ação ou mesmo uma videoarte (sempre foi assim, mas às vezes fica mais forte, como nos últimos meses). Da janela do ônibus, sob o céu cinza de uma tarde quente e cansada, vejo alguém se embalar deitada em uma rede, em suas mãos sustentadas pelos braços esticados no ar, um neném, que naquele segundo de lá me fita e acompanha o deslizar de minha passagem pela rua. Aquele boto pequeno que outrora, através do meu tato, mostrava seu delicado dorso vez ou outra no rio amazonas de dentro de mim, aquele que eu sentia como se flutuasse sozinho em movimentos líquidos entre as noites de um céu estrelado feito de águas oceânicas, aquele que me jogava violentamente na mágica da existência só de sentir com as pontas de meus dedos que ele simplesmente estava ali... Este pequeno mamífero imbuído de sua solidão cetácea vem atravessando meses que escondem eternidades, supercordas distorcidas, quintessências, multiversos... Antes conectado muito mais aquele universo líquido mítico, espiritual habitado por seres os mais misteriosos, os quais, ocultos da paisagem visível, tinham a função de tornar aquele mundo um lugar encantado, agora muito mais presente neste aqui e neste agora, já consigo tocar sua humanidade, já me esmaga a bexiga e os pulmões seu peso. É uma Cecília! E que linda que me parece mesmo que eu nunca a tenha visto. Tenho sonhado com aglomerados de pessoas, muitos ambientes diferentes, acordo deles sempre com a sensação clara e viva de ter estado com e passado por muita gente, sem falas, nem toques, sem interação, almas passando entre si, e tem sido como se todo dia eu tivesse acabado de chegar de uma estação de metrô lotada. Acordada, o pensamento viaja entre informações aleatórias: Uma ruela de um lugar visitado em uma viagem. A sensação da água gelando a canela em alguma tarde leve de sol em qualquer lugar banhado por um rio. Um rosto. (Um não, muitos! Eles sempre vêm em minha mente aos montes, definitivamente rostos são como as vírgulas de meus pensamentos.) Um desenho que fiz em 2009. Um flash back de infância. Alguém bem próximo levou um tiro. Existem armas. O Brasil está afundando. Por que o Trump fez aquilo? O que mais estar por vir? Como vai ser o rosto dela? Um umbigo que vi numa foto. Como me toca essa "você que me continua" do Arnaldo. Bexiga parece sempre cheia. Eu já tive tantos amigos... As pessoas somem, eu sumi. (Ou nunca estive presente?) Que maravilha saber que aquele aluno vai bem na batalha que é a vida. Saudade das idas ao meio dia no trapiche e de pegar aquele vento que beijava só o meu rosto e o meu silêncio, ninguém mais entre o sol e o rio. Aquela cena que ficava passando na imaginação enquanto atravessei o Atlântico no ano passado. Os planos que eu tinha, os planos que tenho, as não certezas e as não expectativas... Pessoas... Conexões... Quem? Verde petróleo é lindo! Verde clorofila... A gente pega uma lata de euforia e mistura com três bisnagas vermelhas e duas marrons, eis o rosa Carla Antunes. "Não vou te deixar na mão, nem vou te deixar a pé, tenho um coração de mãe". Com quantos cômodos se faz um lar? Como pode tudo parecer tão claro assim? Alguém que eu não conhecia, mas cujos projetos eu acompanhava, morreu... Tão jovem, tão cheio de engajamento.... Me soou tão injusto, inacreditável em suma. As pessoas morrem! Têm muitas pessoas lutando pra viver nesse momento. Será que o Sandro vai ficar bem? E se aquele dia tivesse sido diferente? Haveria Cecília nesse meu presente? Será que um dia ela vai desejar que eu morra? Educação. Juventude. Violência. Macapá. Aquele primeiro episódio que mostra as baleias... Mais uma aluna grávida... Que dê tudo certo. "Homem de 19 anos é morto em troca de tiros com policiais" Na periferia não existe adolescência... Qual era o nome dele? Será que era meu aluno? De que matéria impregnante  são feitas as ideias fixas? Preciso terminar meu roteiro. Não posso não terminar de ler aquele livro antes dela chegar. Será que vou acabar deixando estragar a porcelana fria que comprei? Vi uma lua cheia, esplendorosa, eram 6 da manhã, e ela toda enxerida encarava o sol no lado oposto do horizonte, tudo valeu a pena. Anteontem a cachorrinha deu dois saltos para dar duas lambidinhas na minha barriga! Ela nunca tinha nem percebido que eu tinha uma barriga e de repente resolve me pegar de surpresa e dar um oi pra esse alguenzinho, foi emocionante. Pitaya é uma fruta sem gosto que eu sempre comia por causa da cor linda, nunca havia pensado em perguntar o nome, aí um dia descobri como se chama e desde então aquele roxo vivo, de tom aberto, meio cítrico, nunca saiu da minha memória e é como se fosse muito doce aquela fatia-sorriso mesmo sendo quase inexistente o sabor. Ela mexe muito quando ouço música africana. Minha missão tem um nome que se soletra exatamente como se soletra a palavra e.d.u.c.a.ç.ã.o. Será que ano que vem consigo voltar a tentar um mestrado? Será que minha dor ciática vai deixar eu carregar essa menina? Será que vai ter um jeito de eu não me sentir tão exausta como descrevem as mães? Sinto saudades, muitas. Quando será que eu viajo de novo? Como será tudo daqui a um ano? Rostos... Temer. Sempre vejo alguém lhe acertando um tiro, acho que vem de uma série que assisti, ou então existe em mim a vontade que alguém morra, mesmo sabendo de tudo isso sobre viver, como posso querer isso? Cãibras... Falta de ar. Aquele momento em que fiquei sozinha nas pedras diante do azul da Bahia de Guanabara, meu sapato da Marisa era novo, aquele homem apareceu do nada, tive medo. Cara, aquele menino morreu mesmo... Ontem isso me perturbou de madrugada. A vida tem me agoniado todo dia, de novo essa sensação de existir emaranhando tudo, muita coisa ao mesmo tempo. Ontem palestrei pra vários professores, uma imagem que sempre via desde que comecei a trabalhar com educação...  Domiciliar... "Uau! Vais ter coragem?" Sim, vamos tentar! Fugir é ilusão. Barulho me agonia muito. Olhei de novo as características de uma pessoa com autismo e dessa vez parece que tudo encaixou. Sou uma super recognizer, ao menos foi o que deu nos resultados de uns testes, partes de um estudo de que participei, da Universidade de Greenwich, pela internet. Lembro de quase 100% dos rostos que vi na vida, 90% se não me engano. Aquele texto do Ronaldo que fala da Mariana, meu deus, como amo! Foi impagável cantar "Um shopp pra distrair" com o Bradock, naquela calçada da Pe Júlio, precisamos terminar esse doc, nem pesquisei a música do cantor italiano que ele citou. Nunca falei tanto na minha vida quanto atualmente. La belle de jur. Mirtilos. Dei sorte... A sensação de rejeição foi soterrada por uma sensação colossal de aceitação, esse tanto de elogio vou ouvir até o dia de junho que Cecília vier, depois preciso tapar os ouvidos senão vira arrogância. (Ou sou eu que não sei lidar com a possibilidade de ser alguém bacana.) Vinho, ice, gengibirra... Sensações guardadas pra depois... Como se sabe que chegaram esses depois? Confiança é uma lenda? Será? Obrigada! Me desculpe. Eu te amo. Talvez hoje eu consiga fazer um desenho. Minha cabeça dói. "Quero tudo que meu olho cego de cachorro raivoso fareja", essa frase lateja na minha mente de vez em quando. Latejar... Notei agora que lateja-se tanto de dor quanto de prazer. Atrasei pro pilates. Alguém bate a porta, não abro. Como é irritante o latido das cachorrinhas aqui de casa. "A gente foi feito pra voar, no vento que bate pra gente se secar." Aumentei o volume. Fiz um spotify, mas não sei usar. Vou continuar com minha lista infinita no youtube. Que cansaço. Amo a rua de casa quando está deserta e mais ainda quando choveu e o asfalto fica com um brilho amarelado por causa do reflexo da luz amarela dos postes, e se for madrugada, o vento, o silêncio... Aaaah! "Virá! Impávido que nem Mohamed Ali". Tudo isso enquanto desacelero cada vez mais meus passos, enquanto meus peitos se rasgam (literalmente) em vias lácteas, enquanto o passado vai sumindo e o presente se arrasta... Eu espero... E vou me embolando nesses emaranhados de informações. As vezes é tanto tudo que me imobilizo. Enfim transbordei.

terça-feira, 7 de março de 2017

sobre uma mente programada para ver fantasmas




  























*Casa de brincar no quintal da Casa Senhorial, um castelo em Malmgard, Finlândia. De tudo o que vi no castelo, entre adornos de ouro, dezenas de bichos empalhados tenebrosos, pinturas, paredes e móveis seculares... O que mais me marcou foi essa casinha abandonada no quintal do lugar. Desgarrei do grupo que me acompanhava para ver de perto o que era e me deparei com uma aparente casinha de brincar... Entrei em transe vendo isso, imaginando as vidas que passaram por ali, as brincadeiras, o momento exato em que os vidros quebraram, ou que as louças foram derrubadas... Meu olhar vive a procurar o que é vida, mas não posso negar que muito me atraem os fantasmas. 

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Aquelas tardes fevereiras


Alguém reclama fome em mim. Passo horas entre curtires e notícias inúteis. Faço coisas das quais me arrependo no segundo seguinte. Já não consigo permanecer na mesma posição por muito tempo, e mesmo assim, como quem deseja sentir dor, por vezes permaneço. Nunca foi tão frio nestes lugares do trópico acima da linha do equador. Literalmente. Nuvens cinzas pesadas todos os dias têm visitado e coberto, primeiro ao rio amazonas e depois a toda a cidade de Macapá. Dias cinzas. Dores nas juntas. Chuva fina que escorre quase que eternamente em tudo que é aqui.

Ontem finalmente pude ser fantasma de novo e vagar pelas ruas a esmo, calada, sem encontrar ninguém que conheço, só vendo e sendo a/na cidade. Eu e a sombrinha, e o asfalto, e as pessoas sem rostos; eu e o rio, e o trapiche, e a maré enchendo; eu e o chuvisco, os bancos úmidos de concreto e as tardes fevereiras. Nós todos e estes sentimentos arvorescos que se afincam entre os becos apertados desses dias... Aquela cor de tinta que não gostei, aqueles carnavais que não vivi, aquelas músicas, aquelas vidas secretas das lágrimas notívagas, aquele desejo de criar coexistindo com aquela inércia... Coisas de quem se amofina em si nestes dias molhados e regados de sentimentos alegretes de ansiosos foliões. Jeito desencontrado de qualquer coisa, esse meu.


*Às vezes me questiono a que serve escrever essas coisas... Nunca encontro resposta. Mas também não consigo me convencer que de nada serve, por que é inevitável algum alívio ao organizar parte do que paira em mim, então isso por si, já deve bastar.

sábado, 21 de janeiro de 2017

quinquilharias ou informações aleatórias e desnecessárias sobre mim




Guardo quinquilharias. Acumulo tudo. Pensar em desapego me desespera. Mas não me refiro às poucas coisas razoavelmente caras que possuo. Meu apego se atém as minusculosidades. Tenho desde uma bolinha de gude encontrada enterrada na estrada onde ajudava na gravação de um vídeo, passando por uma coleção de cartas de baralho encontradas na rua, algumas dezenas de fitas vhs, sacolas com dezenhas de frascos vazios de desodorante, sacolas contendo outras sacolas, muitos papéis, caixas contendo miudezas infinitas... Outro dia finalmente consegui jogar fora alguns pedaços de varetinhas de bambu verde os quais estavam guardados desde o ensino médio... É, eu sei, é grave. Mas... O que não o é nessa vida? Me pergunto...

Minha família é o choro e a melancolia. Há muita solidão e lágrima nisso de que somos feitos por aqui. Nesse sangue que passamos um para o outro corre algo de triste, que não cabe na gente e transborda no suor dos dias. Ainda não tem uma imagem que me corroa tanto nessa vida quanto acompanhar o rolar pesado e salgado de lágrimas a cair pelo rosto da minha mãe. A forma como ela tenta segurar o choro tensionando os músculos do maxilar, contraindo os lábios, e quando a fala embarga e chega a hora de abrir as portas do precipício que há entre os olhos e o chão. As sombrancelhas caem sob o peso de um coração pesado. Dói ver essa cena tão repetidas vezes. Dói mais ainda não saber o que fazer...

Ontem eu senti alguém se mexer dentro de mim. Não assisti na distância da tela preta e azul. Senti com o tocar de minhas mãos. Assustadoramente mágico. Sorri e pela primeira vez consegui iniciar uma conversa, singela e tímida mas finalmente falada na segunda pessoa, me reportando diretamente a este pequenino alguém que vem vindo. Não sei o por quê, ainda não havia conseguido fazer isso. 
E afinal quem é que vem chegando nessa estação que eu sou? Será que de onde vem há mais leveza que pesar?

Inacreditável isso de existir. E parece que tudo isso nunca será sobre entender. Não sei do que se trata, só sei de perguntas. Tem um peso aqui, que parece vir de tudo o que não tenho, tudo o que não há por perto. Quem será que inventou isso de o presente sempre ser menor que o futuro? Quem inventou isso de poder inventar na cabeça o que ainda não houve nos hojes? Amanhã...  Quantos fantasmas somos capazes de aprisionar em nosso peito?

Eu sempre quis ter filhos, desde sempre, por achar as crianças tão encantadoras com suas curiosidades e formas simples de lidar com tudo. Talvez eu jamais tenha parado para pensar no processo que precede a chegada de um ser humano a este planeta. Nunca imaginei que me perturbaria tanto. Me sinto flutuando em um espaço escuro, que de tão escuro não enxergo se o que há ao redor é pequeno ou infinito. A sensação é de estar rodeada de abismos que podem ter estrelas penduradas ou não. A única coisa que vejo aqui sou eu mesma, uma espécie de espelho cujo reflexo mostra o fundo do que não se vê. E só há o fundo de mim a ser visto por aqui. Não sei o que pensar sobre isso. Sinto que há coisas pra jogar fora, mas por onde começar se tudo o que há em mim divide espaço com bugingangas as mais diversas? Pode ser que eu seja a principal tralha da qual  preciso  me desfazer... Não sei.

sábado, 7 de janeiro de 2017

o cosmo em mim



Vi uma pessoa. Alguém que se mexia. Vi mãos e pés, cabeça e barriga. Um ser, mas não qualquer, um humano. Assombro. Quer dizer então que guardo em mim o infinito? Meu corpo carrega a imensidão do lugar de onde vêm as pessoas... Quão grande é isso? Não sou capaz de medir. O que posso fazer é não entender como esse processo pode ser tão normal. Todos que aqui estamos viemos através dele. Nascer... Quantos mistérios carrega esta palavra? Como alguém pode se acostumar com um outro ser humano dentro de si? De onde veem eles antes de atravessar o portal? Antes de nos atravessar? Antes de mergulhar em uma dimensão oculta e através de um segundo ser, emergir em uma dimensão outra? Outro "aqui" e outro "agora"... Somos portais... Que loucura! Me tremo ao tentar pensar na amplitude que isso possa ter. Desde que me achastes, pequenino alguém, sou toda desnorteio, toda esplendor, toda assombro e toda amor. Encarando o cosmo em mim, olhando para os céus que se abrem em abismo e luz aqui, te aguardo com a ânsia de quem nada sabe.