quarta-feira, 19 de abril de 2017

haja palavra...


Da janela do taxi, sob o céu de uma manhã confusa, vi um casal de passarinhos marrons/rajados se equilibrando um sobre o outro num fio de energia. Faz tempo que não consigo traduzir o que sinto. Meus pensamentos e sentimentos vem a tona na consciência e nos poros todos de forma fragmentada, como numa edição frenética de um filme de terror, ação ou mesmo uma videoarte (sempre foi assim, mas às vezes fica mais forte, como nos últimos meses). Da janela do ônibus, sob o céu cinza de uma tarde quente e cansada, vejo alguém se embalar deitada em uma rede, em suas mãos sustentadas pelos braços esticados no ar, um neném, que naquele segundo de lá me fita e acompanha o deslizar de minha passagem pela rua. Aquele boto pequeno que outrora, através do meu tato, mostrava seu delicado dorso vez ou outra no rio amazonas de dentro de mim, aquele que eu sentia como se flutuasse sozinho em movimentos líquidos entre as noites de um céu estrelado feito de águas oceânicas, aquele que me jogava violentamente na mágica da existência só de sentir com as pontas de meus dedos que ele simplesmente estava ali... Este pequeno mamífero imbuído de sua solidão cetácea vem atravessando meses que escondem eternidades, supercordas distorcidas, quintessências, multiversos... Antes conectado muito mais aquele universo líquido mítico, espiritual habitado por seres os mais misteriosos, os quais, ocultos da paisagem visível, tinham a função de tornar aquele mundo um lugar encantado, agora muito mais presente neste aqui e neste agora, já consigo tocar sua humanidade, já me esmaga a bexiga e os pulmões seu peso. É uma Cecília! E que linda que me parece mesmo que eu nunca a tenha visto. Tenho sonhado com aglomerados de pessoas, muitos ambientes diferentes, acordo deles sempre com a sensação clara e viva de ter estado com e passado por muita gente, sem falas, nem toques, sem interação, almas passando entre si, e tem sido como se todo dia eu tivesse acabado de chegar de uma estação de metrô lotada. Acordada, o pensamento viaja entre informações aleatórias: Uma ruela de um lugar visitado em uma viagem. A sensação da água gelando a canela em alguma tarde leve de sol em qualquer lugar banhado por um rio. Um rosto. (Um não, muitos! Eles sempre vêm em minha mente aos montes, definitivamente rostos são como as vírgulas de meus pensamentos.) Um desenho que fiz em 2009. Um flash back de infância. Alguém bem próximo levou um tiro. Existem armas. O Brasil está afundando. Por que o Trump fez aquilo? O que mais estar por vir? Como vai ser o rosto dela? Um umbigo que vi numa foto. Como me toca essa "você que me continua" do Arnaldo. Bexiga parece sempre cheia. Eu já tive tantos amigos... As pessoas somem, eu sumi. (Ou nunca estive presente?) Que maravilha saber que aquele aluno vai bem na batalha que é a vida. Saudade das idas ao meio dia no trapiche e de pegar aquele vento que beijava só o meu rosto e o meu silêncio, ninguém mais entre o sol e o rio. Aquela cena que ficava passando na imaginação enquanto atravessei o Atlântico no ano passado. Os planos que eu tinha, os planos que tenho, as não certezas e as não expectativas... Pessoas... Conexões... Quem? Verde petróleo é lindo! Verde clorofila... A gente pega uma lata de euforia e mistura com três bisnagas vermelhas e duas marrons, eis o rosa Carla Antunes. "Não vou te deixar na mão, nem vou te deixar a pé, tenho um coração de mãe". Com quantos cômodos se faz um lar? Como pode tudo parecer tão claro assim? Alguém que eu não conhecia, mas cujos projetos eu acompanhava, morreu... Tão jovem, tão cheio de engajamento.... Me soou tão injusto, inacreditável em suma. As pessoas morrem! Têm muitas pessoas lutando pra viver nesse momento. Será que o Sandro vai ficar bem? E se aquele dia tivesse sido diferente? Haveria Cecília nesse meu presente? Será que um dia ela vai desejar que eu morra? Educação. Juventude. Violência. Macapá. Aquele primeiro episódio que mostra as baleias... Mais uma aluna grávida... Que dê tudo certo. "Homem de 19 anos é morto em troca de tiros com policiais" Na periferia não existe adolescência... Qual era o nome dele? Será que era meu aluno? De que matéria impregnante  são feitas as ideias fixas? Preciso terminar meu roteiro. Não posso não terminar de ler aquele livro antes dela chegar. Será que vou acabar deixando estragar a porcelana fria que comprei? Vi uma lua cheia, esplendorosa, eram 6 da manhã, e ela toda enxerida encarava o sol no lado oposto do horizonte, tudo valeu a pena. Anteontem a cachorrinha deu dois saltos para dar duas lambidinhas na minha barriga! Ela nunca tinha nem percebido que eu tinha uma barriga e de repente resolve me pegar de surpresa e dar um oi pra esse alguenzinho, foi emocionante. Pitaya é uma fruta sem gosto que eu sempre comia por causa da cor linda, nunca havia pensado em perguntar o nome, aí um dia descobri como se chama e desde então aquele roxo vivo, de tom aberto, meio cítrico, nunca saiu da minha memória e é como se fosse muito doce aquela fatia-sorriso mesmo sendo quase inexistente o sabor. Ela mexe muito quando ouço música africana. Minha missão tem um nome que se soletra exatamente como se soletra a palavra e.d.u.c.a.ç.ã.o. Será que ano que vem consigo voltar a tentar um mestrado? Será que minha dor ciática vai deixar eu carregar essa menina? Será que vai ter um jeito de eu não me sentir tão exausta como descrevem as mães? Sinto saudades, muitas. Quando será que eu viajo de novo? Como será tudo daqui a um ano? Rostos... Temer. Sempre vejo alguém lhe acertando um tiro, acho que vem de uma série que assisti, ou então existe em mim a vontade que alguém morra, mesmo sabendo de tudo isso sobre viver, como posso querer isso? Cãibras... Falta de ar. Aquele momento em que fiquei sozinha nas pedras diante do azul da Bahia de Guanabara, meu sapato da Marisa era novo, aquele homem apareceu do nada, tive medo. Cara, aquele menino morreu mesmo... Ontem isso me perturbou de madrugada. A vida tem me agoniado todo dia, de novo essa sensação de existir emaranhando tudo, muita coisa ao mesmo tempo. Ontem palestrei pra vários professores, uma imagem que sempre via desde que comecei a trabalhar com educação...  Domiciliar... "Uau! Vais ter coragem?" Sim, vamos tentar! Fugir é ilusão. Barulho me agonia muito. Olhei de novo as características de uma pessoa com autismo e dessa vez parece que tudo encaixou. Sou uma super recognizer, ao menos foi o que deu nos resultados de uns testes, partes de um estudo de que participei, da Universidade de Greenwich, pela internet. Lembro de quase 100% dos rostos que vi na vida, 90% se não me engano. Aquele texto do Ronaldo que fala da Mariana, meu deus, como amo! Foi impagável cantar "Um shopp pra distrair" com o Bradock, naquela calçada da Pe Júlio, precisamos terminar esse doc, nem pesquisei a música do cantor italiano que ele citou. Nunca falei tanto na minha vida quanto atualmente. La belle de jur. Mirtilos. Dei sorte... A sensação de rejeição foi soterrada por uma sensação colossal de aceitação, esse tanto de elogio vou ouvir até o dia de junho que Cecília vier, depois preciso tapar os ouvidos senão vira arrogância. (Ou sou eu que não sei lidar com a possibilidade de ser alguém bacana.) Vinho, ice, gengibirra... Sensações guardadas pra depois... Como se sabe que chegaram esses depois? Confiança é uma lenda? Será? Obrigada! Me desculpe. Eu te amo. Talvez hoje eu consiga fazer um desenho. Minha cabeça dói. "Quero tudo que meu olho cego de cachorro raivoso fareja", essa frase lateja na minha mente de vez em quando. Latejar... Notei agora que lateja-se tanto de dor quanto de prazer. Atrasei pro pilates. Alguém bate a porta, não abro. Como é irritante o latido das cachorrinhas aqui de casa. "A gente foi feito pra voar, no vento que bate pra gente se secar." Aumentei o volume. Fiz um spotify, mas não sei usar. Vou continuar com minha lista infinita no youtube. Que cansaço. Amo a rua de casa quando está deserta e mais ainda quando choveu e o asfalto fica com um brilho amarelado por causa do reflexo da luz amarela dos postes, e se for madrugada, o vento, o silêncio... Aaaah! "Virá! Impávido que nem Mohamed Ali". Tudo isso enquanto desacelero cada vez mais meus passos, enquanto meus peitos se rasgam (literalmente) em vias lácteas, enquanto o passado vai sumindo e o presente se arrasta... Eu espero... E vou me embolando nesses emaranhados de informações. As vezes é tanto tudo que me imobilizo. Enfim transbordei.