domingo, 7 de maio de 2017

gravidade e vir-a-ser






























Enquanto greves gerais estouram
E são atacados indígenas, imigrantes...
A gravidade me atinge
A gravidez
Eu
Esfinge
Ouço o tempo a construir
Esse tudo o que há de vir

Com alguns órgãos comprimidos
Olhos deprimidos
Cérebro e pele expandidos
Enquanto o rapaz se recupera
Do tiro que lhe tirou a vitalidade
Os engravatados incitam guerras
Revigoram ditaduras
Mas que duras realidades!

Me dói cada vida dessa
Que se esgueira por abismos nefastos
Descritas nos noticiários
Como se num frio jogo de video-game
Existências se desfazem
Destroem-se possibilidades
Inventam-se mais caminhos de improbidade

Enquanto, em meio e sendo também isso
Esse caldeirão que me tornei
Com as poções devidas para gerar gente
Me transformou em um num sei quê
Que me faz enxergar mais

Enquanto alguém me deseja mal
Eu nem bem sei o que desejo
Sinto Cecília mexer, virar, empurrar
E mexe tudo nesse país que eu sou

Coisas jamais retornarão para o lugar de antes
Onde era esse antes, onde será esse depois?
Me sinto mais que nunca conectada a alguma coisa abstrata e disforme
Que me joga na bruteza do que é estar em vida
Vida delicada e densa vida
Se desdobra em múltiplas dimensões infindas

De quem seremos ancestrais menina Ceci?
A quem estamos antecedendo?
Que planeta é esse que virá?
Que planeta é esse que agora está?
Haverá esperança no teu tempo de mulher?
Será que vamos conseguir?
Será mesmo belo esse porvir?

Tenho me olhado com olhos fixos
Encarado muito mais que três segundos
E é tudo mais confuso quando se enxerga bem o que tem dentro
Como não chorar nesse mundo que tanto magoa?
Como não transbordar se esse tudo só sabe encher?
Quantas margens hão de espremer
O rio caudaloso que sinto que sou?
Hoje, perene ainda
Será que um dia
Olharei e direi: “secou”?

Entre águas e labaredas
Me molho, me chamo
Me olho e me vou
Há saudades aqui
Saudades de um porvir
Enquanto explodem no peito, vias lácteas
Rasgam!
Abrem caminhos, criam sinapses, formam nebulosas.
Quantos universos caberão
Depois das linhas de horizontes que pós junho virão?
Quantidade é uma coisa inventada pela humanidade
Só pra provar que o infinito não cabe em nossa capacidade
[De pensar]

Enquanto milhões sofrem ataques
Sobrevivo entre câimbras e espasmos
E me perco em tanta coisa de doer
Desculpa a cafeína, meu bebê
Desculpa o cortisol
É que toda hora esqueço que meu coração é o sol
Do que te ofereço, te peço
Pega só o que lhe convir
O resto deixes pelo sangue
Fluir, fluvir
Ainda fluvial e pequena pessoa
Te ajeita por aí
Que vêm chegando esses outros dias
Muito parecidos com estes, é verdade
Mas nesses outros, a gente já vai existir
E em cada “a gente” que surge
Surgem muitas canções
Muitas danças, mudanças
Outros mundos nesse mesmo que há

Em junho a gente nasce!
Sim, em meio a muitas mortes
Mas, tranquilize, filha
Teu pequeno coração acelerado
Que é assim que a vida é.
Minha pequena, sedes forte
Pois que, além de passarinho assustado
És também guerreira, és mulher!
E és do norte!

Fora aqui é bem difícil
Mas não nos enganemos
Esse teu dentro também é fora
Só que um pouco menos
E isso te leva pra outro perto, um que é longe
Aproveites então aí
Encontra e abraça quem não está mais a errar no lado daqui
Sorria e olhe bem seus olhos
Que depois vais esquecer
Destes que te ajudaram
A este portal transcorrer
Abraça-os e ama-os
Que depois é só saudade
Inexplicáveis ausências no preenchimento do teu ser
Rostos turvos na mente, que hão de te acalmar
Quando fechares os olhos e desesperar
Se olhares direito
A eles vais enxergar, tua alma há de lembrar

Te apruma pequena
Te espero, para ensinar a voar
Espero aprender até lá
Mas acho mesmo é que juntas
Que vamos nos jogar dos galhos
De asas abertas a fim de compreender
Como funciona esse negócio de viver

Esse misto de paixão e cegueira
De fé, de canseira
De força, de fraqueza
De erro e evolução
De carne, alma e conexão
Esse misto de dor e prazer
Essa eterna sensação de ossos crescendo
De alma ardendo, dente caindo
Coração pulsando e tudo existindo
Nesse misto de mal-me-queres e bem-quereres
Vamos emanando o que não se vê
E construindo o que há de ser

Desde já, Cecília, te digo
Mesmo com todos esses perigos
De aqui ser e estar
Mesmo com toda essa vertigem
Essa náusea e mal-estar
Tudo se move
E tudo sempre se moverá
E é dentro desse tudo
Que nossas aventuras
Umas belas, outras duras
Umas leves, outras obscuras
Hão de desencadear

Marés baixas, marés altas
Tantos morreres e nasceres
Tudo pra gente crescer
Que é sabida essa correnteza cósmica
E esse tudo que ela vem trazer
Menina, vai doer!
Choraremos!
Mas é parte de estar aqui
Vamos andar, vamos cair
Nos machucar, mas também sorrir
Não te esqueças de olhar pra dentro
Que é dentro que nasce e se põe o sol
Deus é essa força que carregas no teu peito
Ela é tu, pequena deusa do arrebol

Não te esqueças também do silêncio
Senhor das perguntas e respostas
Sem ele não há como perceber
Onde está o que é importante ver e ser.
É menina, não vou te mentir
Hemos de convir
Vai mesmo doer
Te assombres mas não te preocupes
Vai ser lindo, vais ver
Este nosso pequeno grande vir-a-ser.