quarta-feira, 20 de junho de 2018

Aqui d-entro.

Dentro de mim há uma dança, uma música, uma festividade antiga, originária, sincrética, pulsante e colorida. Aqui dentro acontece um baile, um desfile de personagens circenses desbotados e debochados. Aqui dentro eu sambo, rebolo, giro a saia, sorrio. Aqui eu sei fazer música e canto juntando melancolias, rasos e funduras. Aqui dentro acontecem espectáculos, grandes manifestações de humanidade. Aqui eu pinto grandes murais, construo bonecos de papel machê, crio máscaras, coreografias, longas metragens, livros, miniaturas, fotografias...  Aqui todas as - minhas - desimportâncias importam. Tudo "aqui"... Da ponta do nariz pra dentro. Dos cantos dos olhos pra dentro. Das unhas das mãos e pés pra dentro. De todos os orifícios de meu corpo pra dentro.
Dentro... Onde entro e sento, fico, espero. Dentro... Onde sinto, vejo, amo, quero.
Dentro... Onde sonho, desejo, e bailo -gigante.

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Tenho chorado ao ouvir ou saber de histórias de amor... Não sei direito porque, mas é como saber de coelhos a andarem pelas ruas. É como saber que alguém densificou um pouco de vento, guardou num pote e colocou em uma exposição. A cada dia que passa algumas coisas des-existem em meu imaginário, em mim... Evaporam ideias e conceitos antes tão concretos... Abstraem-se nas minúsculas entrelinhas dos dias... A dúvida recorrente é se isso é bom ou ruim. Será que vai sobrar algo quando tudo o que eu sou evaporar?

quinta-feira, 14 de junho de 2018

sussuro vazios

Às vezes, quando só, balbucio nadas. Emito sons como quem tem algo a dizer. Movo os lábios e tensiono o queixo repetidamente, como quem fala diversas palavras que de tão curtas nem existem. Sussurro vazios na língua da ausência, traço diálogos indecifráveis com ninguém.


https://www.youtube.com/watch?v=nY3ghukPKtA

sábado, 2 de junho de 2018

Não sou grande.

Sentada, vejo/sinto/ouço Alceu Valença cantando La Belle de Jour e Girassol. Comigo, Cecília. Em silêncio admiramos alguma coisa grande de beleza pairando no ar. Em suspensão aqueles minutos parecem levar dias. Olho ao redor, tudo parado. Olho para fora de casa através do vidro da porta, as mangueiras que fazem parte da vista estão a bailar devagar. Cada vez mais devagar... Até que param. Assim como está parado também meu corpo. Percebo então que estou ali, bem ali, exatamente ali, inteira. E junto a mim um pequeno ser humano também inteiramente presente. Conectadas pelo colo, nos ligamos num abraço macio e quentinho. Olho novamente pela janela, fito as mangueiras agora já completamente estáticas. "Eu não sou grande", essas palavras são sopradas em minha mente por algum sussurro do universo e me servem de estalo. Eu não sou grande! De fato, não sou. Sou pequena em demasia. Muito muito pequena, do tipo que nem se enxerga a um metro de distância. E longe. Sou demais longe. É demasiadamente longe essa coisa toda que eu sou. Talvez por isso me arrebate tanto, estar perto, tão perto do aqui e agora, e tão perto também do que é grande de verdade.