Enquanto greves
gerais estouram
E são atacados
indígenas, imigrantes...
A gravidade me
atinge
A gravidez
Eu
Esfinge
Ouço o tempo a
construir
Esse tudo o que há
de vir
Com alguns órgãos
comprimidos
Olhos deprimidos
Cérebro e pele
expandidos
Enquanto o rapaz se
recupera
Do tiro que lhe
tirou a vitalidade
Os engravatados
incitam guerras
Revigoram ditaduras
Mas que duras
realidades!
Me dói cada vida
dessa
Que se esgueira
por abismos nefastos
Descritas nos
noticiários
Como se num frio
jogo de video-game
Existências se
desfazem
Destroem-se
possibilidades
Inventam-se mais
caminhos de improbidade
Enquanto, em meio e
sendo também isso
Esse caldeirão que
me tornei
Com as poções
devidas para gerar gente
Me transformou em um
num sei quê
Que me faz enxergar
mais
Enquanto alguém me
deseja mal
Eu nem bem sei o que
desejo
Sinto Cecília
mexer, virar, empurrar
E mexe tudo nesse
país que eu sou
Coisas jamais
retornarão para o lugar de antes
Onde era esse antes,
onde será esse depois?
Me sinto mais que
nunca conectada a alguma coisa abstrata e disforme
Que me joga na
bruteza do que é estar em vida
Vida delicada e
densa vida
Se desdobra em
múltiplas dimensões infindas
De quem seremos
ancestrais menina Ceci?
A quem estamos
antecedendo?
Que planeta é esse
que virá?
Que planeta é esse
que agora está?
Haverá esperança
no teu tempo de mulher?
Será que vamos
conseguir?
Será mesmo belo
esse porvir?
Tenho me olhado com
olhos fixos
Encarado muito mais
que três segundos
E é tudo mais
confuso quando se enxerga bem o que tem dentro
Como não chorar
nesse mundo que tanto magoa?
Como não
transbordar se esse tudo só sabe encher?
Quantas margens hão
de espremer
O rio caudaloso que
sinto que sou?
Hoje, perene ainda
Será que um dia
Olharei e direi:
“secou”?
Entre águas e
labaredas
Me molho, me chamo
Me olho e me vou
Há saudades aqui
Saudades de um porvir
Enquanto explodem no peito, vias lácteas
Enquanto explodem no peito, vias lácteas
Rasgam!
Abrem caminhos, criam sinapses, formam nebulosas.
Abrem caminhos, criam sinapses, formam nebulosas.
Quantos universos
caberão
Depois das linhas de
horizontes que pós junho virão?
Quantidade é uma
coisa inventada pela humanidade
Só pra provar que o
infinito não cabe em nossa capacidade
[De pensar]
Enquanto milhões
sofrem ataques
Sobrevivo
entre câimbras e espasmos
E me perco em tanta
coisa de doer
Desculpa a cafeína,
meu bebê
Desculpa o cortisol
É que toda hora
esqueço que meu coração é o sol
Do que te ofereço,
te peço
Pega só o que lhe
convir
O resto deixes pelo
sangue
Fluir, fluvir
Ainda fluvial e
pequena pessoa
Te ajeita por aí
Que vêm chegando
esses outros dias
Muito parecidos com
estes, é verdade
Mas nesses outros, a gente já vai
existir
E em cada “a
gente” que surge
Surgem muitas
canções
Muitas danças,
mudanças
Outros mundos nesse
mesmo que há
Em junho a gente
nasce!
Sim, em meio a muitas
mortes
Mas, tranquilize, filha
Teu pequeno coração acelerado
Que é assim que a vida é.
Teu pequeno coração acelerado
Que é assim que a vida é.
Minha pequena, sedes forte
Pois que, além de passarinho assustado
Pois que, além de passarinho assustado
És também guerreira, és
mulher!
E és do norte!
E és do norte!
Fora aqui é bem difícil
Mas não nos
enganemos
Esse teu dentro
também é fora
Só que um pouco
menos
E isso te leva pra
outro perto, um que é longe
Aproveites então aí
Encontra e abraça
quem não está mais a errar no lado daqui
Sorria e olhe bem
seus olhos
Que depois vais
esquecer
Destes que te
ajudaram
A este portal
transcorrer
Abraça-os e ama-os
Que depois é só
saudade
Inexplicáveis
ausências no preenchimento do teu ser
Rostos turvos na
mente, que hão de te acalmar
Quando fechares os
olhos e desesperar
Se olhares direito
A eles vais
enxergar, tua alma há de lembrar
Te apruma pequena
Te espero, para
ensinar a voar
Espero aprender até
lá
Mas acho mesmo é
que juntas
Que vamos nos jogar
dos galhos
De asas abertas a
fim de compreender
Como funciona esse
negócio de viver
Esse misto de paixão
e cegueira
De fé, de canseira
De força, de
fraqueza
De erro e evolução
De carne, alma e
conexão
Esse misto de dor e
prazer
Essa eterna sensação
de ossos crescendo
De alma ardendo,
dente caindo
Coração pulsando e
tudo existindo
Nesse misto de
mal-me-queres e bem-quereres
Vamos emanando o que
não se vê
E construindo o que
há de ser
Desde já, Cecília,
te digo
Mesmo com todos
esses perigos
De aqui ser e estar
Mesmo com toda essa
vertigem
Essa náusea e
mal-estar
Tudo se move
E tudo sempre se
moverá
E é dentro desse
tudo
Que nossas aventuras
Umas belas, outras
duras
Umas leves, outras
obscuras
Hão de desencadear
Hão de desencadear
Marés baixas, marés
altas
Tantos morreres e
nasceres
Tudo pra gente
crescer
Que é sabida essa
correnteza cósmica
E esse tudo que ela
vem trazer
Menina, vai doer!
Choraremos!
Choraremos!
Mas é parte de
estar aqui
Vamos andar, vamos
cair
Nos machucar, mas
também sorrir
Não te esqueças de
olhar pra dentro
Que é dentro que nasce e
se põe o sol
Deus é essa força
que carregas no teu peito
Ela é tu, pequena
deusa do arrebol
Não te esqueças
também do silêncio
Senhor das perguntas
e respostas
Sem ele não há
como perceber
Onde está o que é
importante ver e ser.
É menina, não vou
te mentir
Hemos de convir
Vai mesmo doer
Vai mesmo doer
Te assombres mas não
te preocupes
Vai ser lindo, vais
ver
Este nosso pequeno
grande vir-a-ser.