"Desculpa, meu amor... " Ouvi vindo por trás de mim enquanto abria o portão. A música brega vinha de uma caixinha de som de um senhor, que andava acompanhado de outro senhor, ambos quase acompanhados de uma senhora, que, tentando se distanciar, visivelmente estava com vergonha do (provavelmente) marido, portador da música alta. Ao notar minha presença ela esbravejou: "DESLIGA ESSA DROGA! Que coisa mais BESTA!" como quem se defendia da possibilidade de estar ouvindo por vontade própria aquele brega naquela manhã ensolarada de domingo, ao mesmo tempo ela foi se afastando deles ao ponto de estar a uns três metros de distância.
Olhei pra ele e vi o exato momento em que abaixou o volume. Ao seu lado, um sorriso amarelo, complacente, de seu (provável) amigo, sob um malandro chapéu panamá. Vi ali também uma tristeza e ela seguiu junto.
Olhei para a mulher e só enxergei os passos firmes e retilíneos de quem sabe da raiva que está sentindo. Vi suas costas certas de que era para "lá" que deveriam se voltar sua frente e seu andar.
Foram diminuindo... Passaram todos. Seguiram para esse "lá" da rua, onde minha vista não alcança. Seguiram como quem, apesar de qualquer coisa, sempre passa, apenas passa, pois que é feita de passar essa natureza deles.
Olhei a porta, abri, entrei. Como posso ser todos eles ao mesmo tempo? (As pessoas, a música, a rua, a complacência, a raiva, a tristeza e o passar.)