domingo, 21 de janeiro de 2018

Desculpa, meu amor...

"Desculpa, meu amor... " Ouvi vindo por trás de mim enquanto abria o portão. A música brega vinha de uma caixinha de som de um senhor, que andava acompanhado de outro senhor, ambos quase acompanhados de uma senhora, que, tentando se distanciar, visivelmente estava com vergonha do (provavelmente) marido, portador da música alta. Ao notar minha presença ela esbravejou: "DESLIGA ESSA DROGA! Que coisa mais BESTA!" como quem se defendia da possibilidade de estar ouvindo por vontade própria aquele brega naquela manhã ensolarada de domingo, ao mesmo tempo ela foi se afastando deles ao ponto de estar a uns três metros de distância.

Olhei pra ele e vi o exato momento em que abaixou o volume. Ao seu lado, um sorriso amarelo, complacente, de seu (provável) amigo, sob um malandro chapéu panamá. Vi ali também uma tristeza e ela seguiu junto.

Olhei para a mulher e só enxergei os passos firmes e retilíneos de quem sabe da raiva que está sentindo. Vi suas costas certas de que era para "lá" que deveriam se voltar  sua frente e seu andar.

Foram diminuindo... Passaram todos. Seguiram para esse "lá" da rua, onde minha vista não alcança. Seguiram como quem, apesar de qualquer coisa, sempre passa, apenas passa, pois que é feita de passar essa natureza deles.
Olhei a porta, abri, entrei. Como posso ser todos eles ao mesmo tempo? (As pessoas, a música, a rua, a complacência, a raiva, a tristeza e o passar.)


sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Foi um sonho (?)


Emergi numa dimensão onírica mas muito concreta. Deve ter sido a primeira vez que tive a sensação de estar sonhando durante um sonho. Mas era tão material o meu redor que ali me convenci de que eu realmente estava. Olhei atenta o lugar deserto, tentando fixar os detalhes de onde jamais estivera, até aquele momento. Era um local com ares de casa antiga, mas a arquitetura mais parecia algo contemporâneo, brotado da espontaneidade da necessidade. A Pintura lilás, de tinta esmalte brilhosa, estava por toda parte e fazia reluzir as linhas arredondadas e orgânicas do reboco que cobria a mureta e as paredes. Ninguém por perto. Era noite. Lugar desconhecido. Minha consciência surge naquele lugar misterioso, cujo deserto tão evidente me despertou fantasmas e sobressaltos. Meu olhar pára numa espécie de cabine, feita do mesmo cimento e coberta da mesma tinta. Havia nela um balcão, como uma baiúca de vender açaí, ou mesmo uma área de lazer de um residencial, com aquelas churrasqueiras grandes de tijolos. “Não tem ninguém aqui” tremia meu pensamento enquanto eu sentia o medo subir pelas pernas...  Me aproximo e enxergo na parede da cabine, imagens de santos ou algum tipo de iconografia sagrada. Algo puxa meu olhar para o outro lado da rua. Os muros baixos permitiam esticar meus olhos ao longe apesar do breu. Um cemitério!? Um cemitério!! Tinta fresca, azul anil, detalhes brancos. Mesma estética de cimento de linhas tortas… Era tudo o que eu conseguia ver além das sombras e da escuridão. Olho rápido ao redor... “Não tem ninguém aqui!”. Suspiro forte. Tela preta. O medo me leva. Sumo. 

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

É grande ao redor...


...Sou dada a observar distâncias.
Percorro com os olhos as longas linhas invisíveis que traçam os caminhos que não são perto. Sou o tipo de gente que enxerga beija-flores ao longe, pássaros voando depois de onde a vista alcança. Fácil alcanço lonjuras, mas como engolir as distâncias e tocar o que é perto, o que é aqui? 
É grande ao redor... Enorme até. Tantos caminhos...

Onde
ei
de
ser
?

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Dentro é um buraco sem fundo


...
Acho que morri um pouco. Aliás, sei que morri. De repente parece tudo uma grande tolice. A humanidade é ridiculamente pequena diante do cosmos, quiçá eu. Outro dia experimentei o nada, de novo, mas dessa vez acho que ele me abduziu. Dentro é um buraco sem fundo. Eu trouxe mais alguém pra este mundo. Esse mundo abarrotado de gente que flui dum jeito torto e desconexo entre si. Achei que seria só mais um pedaço de morte, coisa simples, normal, mas grande parte de mim simplesmente não voltou. Quando era criança eu tinha uns insights que me levavam rapidinho no nada e me traziam de volta ofegante, desconfiada, apavorada... Normalmente acontecia na área de serviço: "E se eu fosse uma máquina de lavar?" Sem pensamento, sem coração, sem sentimento ou qualquer sensação??? Era desesperador, tocar a não existência.. A não vida. Estarrecedor pra uma pequena menina. Outro dia, a sensação de não-ser pipocou de novo em minha consciência e se espalhou explosivamente pelo meu corpo, mente, alma... É ruim, mas não consigo evitar. Ao menos era ruim antes, agora talvez eu tenha me encontrado pelo reino absorto do tanto faz. Não ser... Sem expectativas... Sem medos...  Ninguém... Nada... O nada pode ter se tornado uma opção nunca dantes revelada e o tudo continua demasiado pesado, confuso e pretensioso. 

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018