quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

não lucidez ou as vozes na minha cabeça




Não tenho vontade de escrever nesse momento, mas me parece importante marcar e destacar este período em que de forma cada vez menos sutil e cada vez mais difícil de lidar, me percebo entrando em um estado de insanidade. Não vou escrever em terceira pessoa e tentar disfarçar que trata-se de mim aqui. A loucura que sempre me habitou, a loucura que sempre fui, tem soltado das rédeas da minha mente. E aí, vejo que talvez não tenham sido sem fundamento as vezes que brinquei dizendo que meu futuro seria me tornar "doida de rua". Meu cérebro possui um método estranho de operar, um não método, um jeito auto-sabotador bombardeante de administrar a matéria que envolve meu espírito. Não tinha pensado nessa divisão, e de repente ela mesma me parece a resposta pra tanto descompasso... Eu, espírito, sou resolvida, entendo o que sou e apenas sou. Eu, consciência filtrada pelo cérebro, me sinto um discurso escrito em certa língua materna sendo dito por um estrangeiro que não a conhece, não a compreende. Aqui dentro minhas milhares de vozes não param de falar.. Quanto tudo! Quanto tanto! Quanto muito!...Ao mesmo tempo, toda hora. Meus objetivos se perdem em meio a caminhos atraentes de informações e conteúdos dispersantes, histórias, perguntas, texturas, olhares, gente. 


Não lembro de alguém ter me explicado quando era criança o significado de "sonho". (Nunca tinha parado pra pensar nisso também...) Estranho como essa palavra me comove. Ela é mais que um conjunto arbitrário de símbolos de fonemas pra mim... Talvez ninguém nunca tenha parado para me explicar o significado dessa palavra. Mesmo que o fizessem, eu provavelmente teria dispensado com o tempo tal explicação e teria permanecido com a minha que sempre esteve em mim como um pensamento-unidade, um pensamento que existe, além da linguagem e não precisa ser pensado para ser sentido. Eu guardo sonhos em mim, que de tão fundos, não os alcanço. Meus sonhos são como seres sem boca, olhos, ouvidos, nariz, mãos.... Seres sem a possibilidade dos sentidos, impedidos da comunicabilidade por suas condições (de estarem ou de serem?). Sinto enormemente esses seres aos montes povoando essa mistura de carne e espírito que sou agora, eles SÃO, eles SABEM, eu me debato na tentativa de alcançá-los, tocá-los. Os persigo como quem tem certeza de que existem e mais que isso, como quem existe devido a ELEs. (Letras maiúsculas na tentativa ridícula de adequar a escrita ao que não pode ser explicado, ou dito.)

Não sei o que de sonho carrega a loucura, mas de dentro da minha ignorância abissal sempre senti como se fosse uma escolha e não uma "imposição" (a "insanidade"). Me parecia sempre uma fuga consciente, de seres que de tão inteligentes e grandes não cabiam nas regras e jogos sociais, não cabiam no tempo inventado, nessa ordem toda que está imposta. Me parecia liberdade, jamais aprisionamento. Já não sei... Se enlouquecer for isso mesmo que eu pensava não é de assombros de loucura que tenho padecido, mas não sei, parece ser alguma espécie de doença do existir/ser/sentir... Viver me emociona muito, é tudo muito grande e minúsculo. Cada detalhe funcionalmente aí, simples e assustadoramente... Existindo! Tudo isso que existe me pesa tanto que invade as organizações internas pelas quais tento, por questões de sobrevivência, me guiar. É uma bagunça, uma desconstrução constante, um permanente "estamos em obras".

Minha matéria além de sonho e loucura, tem absorvido muito de medo e dor. A dor de ser humano, de ser pequeno de ver o sentimento das pessoas e também o ter. De ser dor, por que esses olhos e corações todos aflitos o são como os meus, como eu. Eu sou o mundo e as pessoas e tudo isso é em mim tal qual sou neles. Meus mundos, cheio de deslubramentos e desmoronamentos...
Queria entender melhor o significado da palavra sonho na linguagem humana, talvez entendesse melhor essas existências misteriosas que me habitam ou entenderia de uma vez que nada têm elas com sonho.

O fato é que tudo parece esplendoroso de longe, mas as redomas são imaginárias e a vida diária é real e duramente sábia. Pequenos acontecimentos podem se tornar filmes assombrados nos quais se aprisiona, de cujos loopings não se é capaz de libertar. O passado, o presente, as misturas, as mudanças de rota, os desvios que gerarão outros futuros que não deveriam ser meus. Os pequenos acontecimentos costuram calma e impiedosamente as dores uma a uma, com pontos firmes... A linha é grossa e áspera, mas a agulha é fina e aguda. Aperto os olhos. Ruídos de fora do ar... Tudo isso é cheio de medo, mas a origem, o lugar onde nasce o medo, não sei. 

A junção das infinitas substâncias derivadas do medo, do sonho, da loucura e dos pequenos acontecimentos (em especial aqueles que doem), essa combinação é corrosiva, mas é uma corrosão que ao invés de destruir e matar, cria, constrói. Como se o escuro em vez de ser ausência, fosse presença, partícula assim como a luz, só que com outras propriedades, próprias do escuro. A corrosão vai criando outro ser no ser mesmo que existe, não é uma crisálida, mas não deixa de ser um envólucro, uma casca, que se torna o próprio ser. E assim vão se tornando isso a que me tornei, uma quimera, um diabo, mesquinho e esquisito com seus trejeitos de humano, com amor nos olhos e rancor no coração.

O poder das pequenisses diárias doloridas.... Tão grande...Não pelas próprias coisas em si, mas por ser de gente a composição do seu derredor. E gente DÓI, gente ARDE, gente É. Tudo fica maior quando se tem pessoas no meio, e nada há nesse mundo que não as tenha e é só por isso que é assim tão comovente e bonito esse "tudo" a que me refiro tanto.

O problema é a prisão, o problema é o looping, quando não se consegue mais fazer "a expedição dentro da cela", quando as vozes todas falam as mesmo tempo, a te zombar, humilhar, ferir... Quando essas mesmas vozes te amam, quando você percebe que todas as vozes o tempo todo são tu mesmo. Quando teu coração corroído sente medo de continuar existindo, quando uma "euforia sufocada" lhe pinça do tempo-espaço e te transporta para uma dimensão outra, alheia aos antes, alheia aos hojes, alheia aos depois... Alheia ao bom senso, ao que se espera, ao que se deve fazer. Dimensão confusa e perturbadora que te leva sempre ao ponto do qual partistes. Uma infinda tentativa, uma infinda culpa, uma infinda agonia. Nada finda, e tudo recomeça, o tempo todo. Em meio aos prazeres e belezas inerentes ao viver, impulsos de morte, impulsos de não querer. Amor... Música... Minhas linhas... Minhas missões... Meus três pares de sapato pretos... Humanos... Minhas mãos... Meus quereres... Meus espasmos. 

Me explicaram muito e de diversas formas o que significa "amor"... Entendi tudo errado, mas também não eram certas aquelas explicações... O rio, a canção do vento, o cuidado... Minha imperfeição, minhas energias deletérias, minhas cãimbras, minhas vozes, meu quarto, minha aleatoriedade, minha dispersão, minha insistência, minha teimosia, minha podridão, minhas larvas, minhas patas, meus "vincos amargos nos cantos da boca", minhas lembranças. Leio livros de acordo com meu estado, leio ao mesmo tempo, não os termino nunca, há anos. Meus desenhos...

Não faz assim tanto tempo que eu vivo através desse corpo, mas me pesa muito tudo. A incoerência que eu sou me mata mas me mantêm viva. As vozes... Me xingam, me odeiam, me machucam. E elas são eu. Eu nem devo existir. O que sei é que não tenho tido vontade de dormir e essa ideia de que estou enlouquecendo não tem me abandonado. "Vou morrer esse ano", pensei um dia desses, não sei se foi um presságio, um desejo... Não sei... Sei das reticências... Dos lugares vazios... Dos abismos... Desse país transtornado, feio e corroído que eu sou.