sexta-feira, 26 de agosto de 2016

porções de nada

Falo coisas em minha mente o tempo inteiro. Narro o que vejo, seja de meus olhos pra dentro, seja de meus olhos pra fora. Narro como se escrevesse um livro durante todas as 24 horas dos dias. Como alguém que à espreita é expectador de si mesmo e os acontecimentos que o envolvem. Como se uma dimensão do eu que sou, saísse de mim e me olhasse de fora mesmo que de dentro.

Coleciono buracos. Como um personagem de um filme que vi... Faço buracos nas coisas e me aposso deles, como se aquelas porções de nada fossem minhas e fizessem parte de mim.

Talvez o personagem fale de todo mundo, talvez todo ser humano seja um colecionador de buracos, mas cada um cria um jeito de fazê-los e inventa a disposição na qual eles serão arrumados ou mesmo o espaço e a dimensão que eles ocuparão na sua vida.

Parece possível então que alguém escolha -ou que a vida escolha por esse alguém- se cobrir de buracos. Posso até ver o passar lento do tempo presenciando a criação cuidadosa e invisível de cada porção de vazio. A cada nova manhã o nascimento de um nova marca negativa surgindo devagar no relevo áspero do algo no qual se forma o buraco. Cada lasca de coisa sendo retirada para abrir espaço para o próprio espaço...

Seria um ser/estar que não é e nem está, então? Se alguém se cobre de buracos, se torna um? Um monte de buracos cheios de nada? Um grande buraco, feito de pequenos outros? Um preenchimento vazio. Um vazio que preenche.... Nadas...