segunda-feira, 7 de julho de 2014

como virei pesquisadora de pássaros

Olhando agora para um despretensioso pássaro que desenhei, descansando despretensiosamente - preso no universo de uma folha branca- sobre a mesa em que costumo desenhar, lembrei que ontem, ao olhar para o mesmo pássaro, me direcionaram a pergunta/afirmação: "Agora tu é ornitóloga é?" Eu ri e respondi: "Sempre fui. Já não te disse isso?" Dei a resposta re(vi)vendo uma série de flashbacks na cabeça. Revendo hoje as mesmas lembranças, que se tratam de como me "iniciei na vida de observadora de pássaros", me senti com a necessidade de registrá-las, por isso, aqui estamos...Minha vida de "ornitóloga" teve início "mais sério" (rsrsrs) em um dia de natal daqueles em que natais ainda tinham algum estranho encanto e eu ainda achava que era tudo uma grande desculpa para ganhar aquele brinquedo que passara o ano todo querendo.

A noite era de 1999 (ou seria 1998?), minha avó materna ainda estava viva, e, se não me engano, era o último natal que passaríamos no mesmo plano. Pois bem, lá estava eu, em sua casa, sentada em sua cadeira de balanço feita de vime, abrindo a caixa de meu presente, fingindo não saber do que se tratava, ignorando o fato de que dias antes do natal ficara sabendo do presente que meu primo - de mesma idade que eu- ganharia, que seria uma  câmera filmadora de brinquedo, e que já havia batido o pé e enchido todos os sacos cabíveis para ter uma igual, afinal eu merecia algo tão fantástico...(rsrsrs) Me empolguei tanto com o recebimento do negócio que abri a caixa de um jeito que o brinquedo, que era pesado e de material quebrável, despencou direto no chão! (Isso agora me lembrou uma expressão que li em algo de Drummond, que nunca mais me largou depois que vi e agora noto que na verdade sempre me acompanhou só que eu não sabia. A expressão é : "euforia sufocada".) Foram aqueles segundos em câmera lenta em que o mundo inteiro pára para arregalar os olhos e transformar tua patetisse em uma aberração incomensurável. Não lembro se chorei, acho que não, mas sei que me desapontei comigo mesma e guardei o episódio como mais um para reforçar outros tantos que já havia ocorrido e outros milhares que estavam por vir, os quais só comprovam meu talento para o descompasso diante do mundo.

Sobre o presente, esse era um brinquedo magnífico, vou até procurar na internet e ver se encontro a imagem. Mas lembro que as principais cores eram branco, vermelho e azul, e talvez tivesse lugar para pôr alguma fita, mas na verdade, nunca tive certeza se ela filmava de verdade ou não, afinal, quebrei no dia que ganhei.  (Agora lembrei que também tive um brinquedo gravador que vinha com microfone, tive poucos brinquedos, mas eles eram bem legais pelo visto).

Após a queda, a parte da lente se desprendeu do corpo da "câmera", ela era um objeto cilíndrico, quase como um rolo de papel higiênico sem o papel, só que um pouco mais larga e mais comprida, parecendo um objeto de observação, não uma luneta, nem uma metade de binóculo, pois a lente na ponta pouco aproximava os assuntos observados, mas era convexa e olhar através dela causava algumas distorções nas imagens e em mim causava a sensação de estar observando melhor as coisas, uma vez que a lateral circular servia de moldura para a visão, e me dava a sensação de foco, pois os olhos só conseguiam ver o que se mostrava dentro da tela redonda que parecia surgir do outro lado.

Sempre fui muito observadora, detectei muito cedo em mim um enorme prazer em perceber os detalhes e sempre viajei demais nas infinitas possibilidades de texturas, cores, movimentos, linhas e elementos desse tipo que estão contidos em tudo que existe. E viajava tanto que ficava para trás nos passeios, tropeçava, me perdia, deixava coisas caírem, etc. O curioso é que justamente por estar sempre muito atenta a algum detalhe específico (que quase nunca era o trajeto que fazia ou  a localização de quem estava comigo nos lugares) recebi as alcunhas de "desatenta", "lesa", "lerdinha", ''devagar", durante toda a minha vida (até hoje).  



O fato é que a aquisição compulsória daquele "objeto cientifico de observação" otimizou minhas "pesquisas empíricas" da época, e todas as tardes, (após os filmes das sessões da tarde, claro) eu ia para a área da frente de casa e subia no que tivesse de alto por lá, e passava horas de pescoço levantado, com um olho fechado e o outro olhando através da lente o movimento que cada ser voador fazia naquele céu que ia do pátio da nossa casa ao infinito do universo. Cada voo, cada abrir de asas, cada pouso no coqueiro, cada briga, (cada cagada rsrsrs), cada passarinho e cada passarão, todos. Comecei a me considerar uma "observadora de pássaros" e nunca mais parei, simplesmente. Meu precioso objeto de trabalho se perdeu com as mudanças de casa, mas em minhas ultimas lembranças dele o vejo com o vidro da sua lente já bem debilitado entre sujeiras e arranhões advindas de tantos trabalhos de campo... Observava os detalhes de tudo e normalmente fazia os relatórios na hora, e em voz alta, quando ninguém se aproximava, claro. 

O mundo doido do portão para fora, a rua, as pessoas, o fluxo da cidade seguindo e eu lá encasquetada com tudo aquilo, quão impressionante me pareciam aqueles pequenos seres que podiam voar! Não sei se me impressionava mais com os pássaros ou com a forma como as pessoas os consideravam como mais qualquer coisa normal da paisagem. Me encantava como eram tão serelepes, tão curiosos, tão leves. "Eles voam!  Cantam! Possuem vida, expressões... Será que pensam? Brabos eu sei que eles ficam, então será que ficam felizes?" Pensava eu através das palavras que possuía na época... E todas aquelas penas e cores? Quanta delicadeza e beleza! E assim, passava as tardes me enchendo os olhos e me enchendo a cabeça de pensamentos engraçados que só criança consegue ter. Tudo isso graças à câmera que eu quebrei...

Procurei na internet e não encontrei uma imagem desse brinquedo que tive, muito estranho... Ainda mais para mim que quase não confio em meu cérebro e preciso vez ou outra (quase sempre) de provas concretas para voltar a acreditar que certas coisas de fato passaram pela minha vida. Mas como minha experiência como observadora de pássaros nunca passou, não fica difícil ter certeza dessas vivências todas que me vêm a mente com muito afeto e a leveza da infância bacana que tive. Hoje sei que "observar pássaros" é realmente uma profissão e possui um nome complicado: "ornitologia"... Eu seria uma ornitóloga com muito prazer, com certeza. Mas como nunca levei a sério as análises das minhas pesquisas de quintal, continuo sendo uma singela "observadora de pássaros" mesmo, que adora perceber o detalhe que eles são diante de tudo. Detalhes lindos e impressionantes, que ainda me causam espanto e muita admiração.